30.6.09

Portugueses não morrem por ninguém

Bárbara Wong, in Jornal Público

Inquérito compara mudanças nos valores nos últimos dez anos e revela que há menos preconceitos raciais, mas pouco mudou sobre o que pensam sobre a sexualidade


Os portugueses estão mais individualistas, não morreriam por nada, nem por ninguém, senão pela sua própria família. No entanto, quase 80 por cento constatam que "a sociedade está a perder valores importantes", revela o inquérito Dez anos de Valores em Portugal, hoje apresentado no seminário A urgência de educar para os valores, na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.

"Este inquérito permite perceber o que é que mobiliza as pessoas e a partir daqui desenvolver um quadro de competências para a educação", explica Lourenço Xavier de Carvalho, investigador responsável pela análise dos dados (ver caixa).

Em 1999, o inquérito da Universidade Católica Portuguesa foi feito a 2975 pessoas, presencialmente; dez anos depois foi realizado por telefone e responderam 937 pessoas, dos 15 aos 65 ou mais anos de idade. Mais de metade dos inquiridos são do sexo feminino (57 por cento). O número de licenciados aumentou de dez para 26 por cento, ao passo que os com menos de quatro anos de escolaridade caíram de 13 para seis por cento.

Se fosse há dez anos, para oito em cada dez pessoas fazia sentido morrer para salvar a vida de alguém. Hoje, apenas 46 por cento respondem que morreriam nessas circunstâncias.

Se, por um lado, estão mais individualistas, por outro mostram ter menos preconceitos e ser mais tolerantes. Por exemplo, à pergunta "Se pudesse escolher, aceitava ser vizinho de...", quase a totalidade responde que não se importaria de viver ao lado de pessoas de raças diferentes, de imigrantes ou de indivíduos de outra religião. Também revelam uma maior tolerância relativamente a vizinhos com sida ou homossexuais.

Apesar de a maioria dos inquiridos ser casada pela Igreja - 56,2 por cento (mais sete do que em 1999), 2,2 por cento vivem em união de facto e 6,5 por cento são divorciados -, o número dos que concordam totalmente que "o casamento está ultrapassado" sobe de 15 para 36 por cento. Para os portugueses, o casal prevalece ao casamento, já que 80 por cento respondem que "uma criança precisa de um pai e de uma mãe para crescer feliz".

"Cada qual cuide de si"

Para Lourenço Xavier de Carvalho é a noção de individualismo na sociedade e não o egoísmo que faz os portugueses responderem que concordam em parte ou totalmente que "cada qual cuide de si". Em 1999, mais de metade concordava, mas este ano o número subiu para 63 por cento. A expressão "olho por olho, dente por dente" mobiliza mais de metade - eram 36 por cento em 1999.

"É possível que o contexto social de individualismo e a importância da família conduzam a uma falta de solidariedade para além das fronteiras do núcleo familiar", interpreta.

Sobre as questões de sexualidade, os portugueses mudaram muito pouco e os valores variam apenas um a dois pontos percentuais. Quando se lhes pergunta se concordam que se faça nudismo nas praias ou se veja filmes pornográficos, são evasivos e dizem que não acham "nem bem, nem mal". No entanto, reprovam que se pratique relações sexuais com vários parceiros ou relações extraconjugais: sete em cada dez inquiridos acham "mal".

Ter uma família sólida, amar e ser amado, ser um profissional competente, ser honrado e ter amigos leais são os principais objectivos. Ser famoso e rico são das suas últimas prioridades. Nas tomadas de decisões, o que mais os influencia é a consciência e a família. A Bíblia e os líderes religiosos pesam mais do que a ciência ou a comunicação social. O inquérito tem um grau de confiança de 95 por cento e 2,75 de margem de erro.