15.6.09

Serão precisos dois a três anos para se alcançar um bom protocolo pós-Quioto

Lurdes Ferreira, in Jornal Público

Especialista diz que as empresas europeias de energia já interiorizaram na sua actividade a era de restrições de emissões de carbono e que as norte-americanas estão mais atrasadas


Ernest Moniz foi subsecretário da Energia da Administração Clinton e é hoje conselheiro do Presidente dos EUA para a ciência e tecnologia, além de liderar a área de energia do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT). Prefere que a comunidade internacional demore mais tempo a encontrar um sucessor para o protocolo de Quioto: devagar mas bom, melhor do que rápido e mau.

Continua cauteloso quanto à velocidade de implementação de novas políticas de energia e ambiente nos EUA?

Mantenho-me sensivelmente na mesma posição, que é: acredito que os EUA terão uma lei de limitação das emissões de CO2. Continuo é cauteloso sobre quando acontecerá. O Presidente Obama está muito comprometido com isso. O Congresso norte-americano mudou nas últimas eleições para uma muito maior representação dos democratas, o que altera os votos. Há agora uma grande proposta legislativa no Congresso - a lei da energia limpa e da segurança -, que tem muitas coisas boas como o sistema de tectos de emissões de dióxido de carbono. A maioria das pessoas pensa que é muito encorajador e que levará a uma legislação para o CO2, mas o processo ainda agora começou e temos muitos assuntos difíceis por resolver.

Seria bom ter uma nova lei antes da conferência de Copenhaga [negociações para o período pós-Quioto] em Dezembro?

O processo em curso nos EUA será muito importante para Copenhaga mesmo que a proposta não chegue a lei até lá. Dará um muito bom sinal do caminho para onde vão os EUA. Pode ser este ano, para o próximo ou dentro de dois, mas dará uma direcção. Isso significa que se a legislação não tiver passado ainda, os EUA não estarão em posição de fechar formalmente com um novo protocolo. Porém, do mesmo modo que será necessário algum tempo para que as coisas funcionem nos EUA, será preciso também algum tempo para se chegar a algum resultado a seguir a Copenhaga.

Porquê?

Porque é um processo muito complicado. A forma como as economias emergentes, nomeadamente a Índia e a China, participarão continua muito em aberto. Parece-me que a China começou o seu processo negocial há algumas semanas quando pediu aos países desenvolvidos que começassem com uma redução imediata de 40 por cento das suas emissões de CO2.

Portanto, há muito a negociar e francamente penso que serão necessários dois ou três encontros nos próximos dois a três anos para se alcançar um bom protocolo. É melhor do que pôr no terreno um mau protocolo mais rápido. Os próximos dois anos vão ser cruciais. Não acredito que saia alguma coisa já este ano, por ser demasiado complicado, internamente, nos EUA, e na negociação internacional.

Se precisarmos de três anos, teremos um sucessor do protocolo de Quioto a vigorar dentro do tempo?

Primeiro, estamos a falar de restrições para entrar em vigor depois de 2012, que é quando o protocolo de Quioto termina. Pode-se dizer que temos três anos. Não é bem assim, porque depois de se aprovar o protocolo é preciso ainda um período para os países se ajustarem. As empresas europeias parecem mais preparadas, em média, em termos de requisitos de baixo carbono.

Há o risco de entrarmos num período sem protocolo de todo?

Não acredito. Quioto vai até 2012, e se conseguirmos algo entre um e dois anos, em princípio temos ainda tempo. É difícil, e concordo que temos de agir energicamente e com urgência. Mesmo assim, temos de ser realistas quanto ao contexto político, financeiro e económico, a dificuldade dos temas e que tipo de compromisso vamos conseguir das economias emergentes para aderirem. Não vai poder ser, de imediato, ao mesmo nível do dos países desenvolvidos.

Isto é muito difícil. Nós, nos EUA, ainda não resolvemos internamente como ajustar os requisitos para as diferentes regiões do país. Temos situações muito diferentes em relação à mudança para as renováveis.

Em síntese: acredito que há um compromisso para agir, acredito que agiremos nacional e internacionalmente, mas não devemos ignorar que persistem temas muito difíceis para negociar e que podem levar mais tempo.

Quando diz "nós", de quem fala?

Nós, EUA, e internacionalmente, o que é o mesmo em ambos os casos.

Obama prometeu mudanças na política energética e ambiental dos EUA, mas não vamos assistir a atrasos e a um lento cumprimento das promessas?

O caminho do Presidente Obama é de uma mudança dramática da política energética e ambiental e isso é demonstrado pelas suas escolhas de topo, como o secretário para a Energia, Steve Chu, e Carol Browner, que ocupa um cargo completamente novo criado pelo Presidente para coordenar a política de ambiente e energia, e o físico John Holdren como conselheiro para a ciência, e que tem uma vida dedicada à energia limpa e aos assuntos do aquecimento global. Obama está a fazer o que prometeu.

Temos de nos lembrar que precisamos de ter leis aprovadas pelo Congresso, o Presidente tem grande influência, mas os congressistas representam as áreas de onde vêm, com diferentes realidades, e é aí que o processo político tem de trabalhar.
Um ponto importante é que, no ano passado, o Supremo Tribunal decidiu que o CO2 podia ser regulado pela Agência de Protecção Ambiental, ao abrigo da Lei do Ar Limpo, que foi posta em prática originalmente em 1970 para outros géneros de poluição, como a chuva ácida. A maioria das pessoas é, no entanto, favorável a uma nova lei para o CO2, que pode ser de aplicação muito mais flexível do que a lei que foi feita para uma razão completamente diferente. Contudo, a EPA já começou o processo regulatório.

Isto pode levar dois anos a resolver-se, o que sugere que o congresso tem uma muito forte motivação para pôr uma lei em vigor, pelo menos dentro desse espaço de tempo. Vai ser uma negociação interessante.

Portanto, os tais dois anos...

Sim, penso que dentro de dois anos é que teremos mesmo uma nova lei.

Com a crise económica e financeira, as emissões baixaram. Concorda que a pressão sobre as alterações climáticas abrandou?

É verdade que o público abrandou a sua atenção em relação às alterações climáticas. Um dos impactos da crise que começou por ser financeira e depois económica é que muitas empresas norte-americanas estão com uma vida muito difícil. Por exemplo, muitas delas ligadas à eólica tinham longas listas de encomendas e hoje não produzem nada. As empresas de biocombustíveis estão a desaparecer.

Mas as europeias continuam a investir nos EUA...

Sim, a EDP, a EDF, a Enel. Há mercado para elas nos EUA e são empresas muito activas. Hoje, três quartos dos parceiros dos programas de investigação em energia no MIT são empresas europeias. Ao contrário das norte-americanas, já interiorizaram os requisitos das políticas das alterações climáticas.