24.9.09

"Estamos esquecidos e abandonados"

Por Ana Maria Henriques, in Jornal Público

Moradores do Rainha D. Leonor queixam-se do estado de degradação das casas, mas não se mostram preocupados com o futuro de um dos mais antigos bairros sociais do Porto


Celeste Gomes mora no Bairro Rainha D. Leonor há 47 anos, Maurícia Barbosa há já 53: só viram pessoal da câmara a fazer obras no bairro "por uma vez, há muitos anos", quando ainda havia fiscais que zelavam pelas condições das casas. Depois de ter criado a filha Elisabete, Celeste Gomes cuidou da neta até que a dificuldade em andar se tornou um entrave para subir e descer os três lanços de escadas que conduzem ao pequeno apartamento que ocupa, no bloco D. Ao PÚBLICO, mostra as marcas de infiltrações nos tectos do quarto e da sala e as falhas no cimento da varanda.

Construído entre 1953 e 1955, o Bairro Rainha D. Leonor é dos mais antigos bairros camarários da cidade do Porto, pertencente à freguesia de Lordelo do Ouro. O Rainha foi tema de destaque na sessão camarária desta semana, com o vereador da CDU, Rui Sá, a denunciar as condições de degradação que o complexo habitacional apresenta. Com vista privilegiada para o Douro e paredes meias com um condomínio fechado, os 100 fogos divididos em cinco blocos têm o futuro suspenso até à divulgação de "um estudo ou uma auditoria" que Rui Rio quer encomendar para aferir a possibilidade de recuperação das casas.

Integrando o grupo que acolhe os bairros com piores condições, todos os blocos têm colunas e escadas descarnadas, com ferros à vista e pedaços de betão em falta: "A sorte é isto cair de noite, se acontece de dia dá cabo de um", vaticina Elisabete.

Celeste Gomes e Elisabete desconhecem o que a câmara quer fazer com o bairro e queixam-se da falta de ajuda na hora de fazer obras. "Estive mais de um ano à espera que alguém de lá viesse tratar dos canos da casa da minha mãe. Uma inundação deixou isto tudo estragado", explica Elisabete, salientando que tiveram de "se arranjar sozinhas" para voltar a ter electricidade "sem perigo de curto-circuito". Mas essa não foi a única vez em que, pelos próprios meios, trataram de consertar aquilo que o senhorio - a Câmara Municipal do Porto - "tem obrigação de consertar". "Celestinha" pagou a um vizinho para fixar o gradeamento que serve de protecção à escadaria, já que "até podia cair juntamente com a grade que a câmara não queria saber".

Do bloco D para o E passa-se por dois tanques comunitários inutilizados, "destruídos vai para dez anos", garante Maurícia Gomes que, quando se mudou para o Rainha, com 24 anos, nem electricidade tinha no apartamento que desde então ocupa. "O Rui Rio dizia que por dentro ajudava e por fora fazia, mas nem uma coisa nem outra", acusa, recordando-se do tempo em que o bloco E era considerado o "bloco das senhoras".

"Em termos de ambiente estamos no céu", repete Paula Varela, que nasceu e vive no Rainha D. Leonor. "Mas estamos esquecidos e abandonados pela Câmara do Porto", contrapõe.

"Tão cedo não nos hão-de tirar daqui. Se fosse para nos mandar para outro sítio, por que haviam de estar a entregar casas a novos?", questiona Paula, crítica da actuação da autarquia, "que nem os canos da água originais substitui". "Nós nem comissão de moradores temos", diz Paula, explicando que a Associação de Moradores dos Quintais, bairro social sito mesmo em frente aos blocos do Rainha, "por pertencer à Junta da Foz, conseguiu melhorias nas habitações". "Continuamos esquecidos, não há quem lute pelos nossos direitos", lamenta-se. "É uma pena se desistirem disto", constata Paula, "adoro viver no Rainha."