26.9.09

G20 transforma-se em fórum permanenteda economia global

Por Rita Siza, em Pittsburgh, in Jornal Público

Gordon Brown decretou o fim da velha cooperação económica e o arranque de uma nova era, em que os países emergentes ganham maior representatividade

Segurança máxima, distúrbios mínimos
Nova ordem mundial não apaga velhas divergências


Os líderes do G20, o grupo de países que representa 85 por cento do Produto Interno Bruto mundial, concordaram ontem, em Pittsburgh, em transformar a organização num fórum permanente de administração da economia global, com maior capacidade para coordenar as políticas domésticas dos seus membros.

O acordo institui uma espécie de uma "nova ordem económica mundial", que deixa para segundo plano grupos como o G7 e o G8 (que não deixarão, contudo, de se reunir para debater questões geoestratégicas e de segurança) e atribui maior importância ao papel dos países emergentes.

"O antigo sistema de cooperação económica acabou, a partir de agora temos um novo sistema. O G20 tornou-se a principal organização económica para lidar com os problemas económicos mundiais", decretou o primeiro-ministro britânico Gordon Brown, no encerramento da cimeira de Pittsburgh.

O objectivo declarado por todos os membros é promover e sustentar o crescimento económico, contribuindo para o emprego, a igualdade de oportunidades e a preservação do planeta. A sua preocupação mais imediata é evitar que desequilíbrios económicos e crises financeiras, como a provocada pelo rebentamento da bolha do crédito nos Estados Unidos, voltem a repetir-se.

"A nossa resposta pronta ajudou a parar o declínio acentuado e perigoso da actividade global e estabilizou os mercados financeiros", dizia o comunicado final. Mas os membros do G20 prometeram mais para o futuro, em termos de regulação financeira, de estabilização monetária e de liberalização comercial.

Dois encontros anuais

Este G20 "revigorado" continua a não ter poder decisório próprio nem capacidade para aplicar sanções. Mas enquanto espaço de discussão, concertação e supervisão de políticas económicas, ganha uma nova capacidade para exercer pressão política e influenciar os governos. O seu Conselho de Estabilização Financeira responsabilizará publicamente os dirigentes que não estejam a cumprir os compromissos assumidos - o G20 vai passar a reunir duas vezes por ano para dar conta dos seus progressos.

Em Pittsburgh, já foram assumidos vários compromissos. Os Estados Unidos, a braços com um défice recorde de 1,8 milhões de milhões de dólares, (13 por cento do PIB), prometeram tomar medidas no sentido da promoção da poupança. A China, cujo crescimento é sustentado nas exportações, anunciou planos para o fomento do consumo doméstico.

Os membros do G20 comprometeram-se a manter em vigor os respectivos planos de apoio e estímulo económico, lançados a título extraordinário para responder à recessão global, e evitaram para já falar em "estratégias de saída" - apesar de reconhecerem que, mais cedo ou mais tarde, os governos deixarão de apoiar a economia com programas especiais.

Mercados nervosos

Os mercados reagiram ontem com nervosismo à possibilidade de uma reversão dos planos de assistência ou uma eventual subida das taxas de juro - as garantias do G20 já vieram tarde demais para evitar que as bolsas fechassem no vermelho ou que o dólar caísse para a cotação mais baixa dos últimos sete meses.

A questão da compensação dos accionistas e executivos das instituições financeiras, um dos temas mais "quentes" do encontro, foi resolvido de forma diplomática, apenas com uma sugestão de que as remunerações e bónus dos responsáveis de bancos e seguradoras devem ser associados à "criação de valor a longo-prazo e não ao risco excessivo".

Na falta de um acordo, os diferentes interlocutores prometeram voltar ao assunto em próximas reuniões. O secretário do Tesouro norte-americano, Timothy Geithner, congratulou-se com a decisão de apertar as regras de funcionamento dos bancos até 2012. Já o Presidente francês, Nicolas Sarkozy lamentou a oportunidade perdida para impor um tecto que limite os pagamentos de bónus.

Maior sucesso negocial tiveram os países emergentes, que à chegada a Pittsburgh fizeram saber que não assinariam uma declaração final que não abordasse a questão da reforma da governação das organizações multilaterais, nomeadamente da sua representatividade na administração do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.

O comunicado final acabou por consagrar maior direito de voto aos países com maior crescimento económico e que estão actualmente "sub-representados", como a China, Índia e Brasil, cuja quota será alargada em cinco por cento em detrimento da posição dos países europeus, que detém a prerrogativa de nomear o presidente do "board" do FMI.

O presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, confirmou ao PÚBLICO que o acordo - que contou com o apoio dos europeus - foi definitivamente consagrado, mas que os detalhes concretos sobre as modalidades para a transferência de quotas entre países apenas serão abordados em reuniões futuras.

No final da reunião, Barroso só lamentava que os líderes não tivessem sido mais ambiciosos na discussão de medidas para o combate às alterações climáticas. Os países vão reencontrar-se em Dezembro, na conferência do clima organizada pela ONU em Copenhaga, e tentar fechar um novo compromisso para reduzir a emissão de gases com efeito de estufa para a atmosfera. "Não escondo a minha preocupação com o lento desenvolvimento deste processo. As negociações não se pode arrastar para sempre e o fracasso não é uma opção", declarou. "Este também é um teste à credibilidade do G20", considerou.

No dia das grandes decisões do G20, acabou por ser outra crise internacional a dominar as atenções: a verificação, por parte do Irão, da existência de uma segunda unidade de enriquecimento de urânio (ver página 12).

Não deixou de ser significativo que na conferência de Imprensa que pôs um ponto final na cimeira, Obama só tenha respondido a perguntas sobre o Irão. O mesmo aconteceu com outros lideres, como o Presidente brasileiro Lula da Silva - que vai receber Ahmadinejad em Novembro - que só falou sobre o Irão ou a crise nas Honduras. No fim de contas, a nova ordem económica mundial foi ofuscada pelas desordens políticas do dia.