25.9.09

Recém-licenciados em Direito aceitam trabalhar a custo zero

Helena de Sousa Freitas, in Jornal de Notícias

Os estágios a que muitos recém-licenciados estão obrigados para exercerem as respectivas profissões têm, no caso da advocacia, a duração de dois anos em meio - período em que o estagiário pode trabalhar a custo zero.

Maria Soares (nome fictício) está a estagiar num pequeno escritório de advogados em Lisboa, onde, em princípio, permanecerá durante os 30 meses exigidos para obter a cédula profissional definitiva junto da Ordem dos Advogados.

"Sem esse estágio, não podemos aceder à profissão de advogado em todas as suas funções, por isso temos de nos sujeitar", contou a jovem licenciada pela Faculdade de Direito de Lisboa à agência Lusa, revelando-se preocupada com a enchente de estudantes da sua área que inunda o mercado.

"Este ano, saíram das universidades o dobro dos licenciados em Direito. Fomos nós, os que nos licenciámos em cinco anos, e os que, tendo entrado um ano depois de nós, fizeram a licenciatura em apenas quatro anos devido ao Processo de Bolonha", assinalou.

O seu caso é ilustrativo do desequilíbrio entre oferta e procura, pois - devido ao elevado número de recém-licenciados dispostos a estagiar sem impor condições - viu a sua remuneração reduzida em 50 por cento no espaço de 15 dias.

"No final do ano lectivo, a responsável do escritório onde estou contactou a Faculdade informando que precisava de estagiários e que os estágios eram remunerados. Eu candidatei-me e fui a uma entrevista, tendo ficado acertado que receberia 400 euros mensais", recordou.

Porém, duas semanas depois, o valor foi revisto em baixa: "Entretanto, chegaram ao escritório currículos de candidatos que pediam ainda menos ou que estavam dispostos a trabalhar os dois anos e meio sem receber. Por isso, quando voltei a ligar, perguntaram-se se estava disposta a estagiar por 200 euros".

Maria Soares aceitou e, se entretanto não mudar para outro escritório ou sociedade de advogados durante os 30 meses do estágio, esse é o valor que vai receber mensalmente até Fevereiro de 2012.

Na sua opinião, não faz sentido que "noutros cursos com estágio profissional obrigatório os estagiários recebam dois salários mínimos e, em Direito, não haja sequer uma remuneração base pré-estabelecida".

A situação pode incitar ao recurso a estagiários, que geralmente ficam encarregues das tarefas mais básicas do Direito, "o contencioso, toda a parte processual, ver como é um processo, como são as petições iniciais", contou.

"Um pequeno escritório tem dois ou três estagiários mas uma grande sociedade de advogados chega a ter 15", afirmou Maria Soares, sublinhando que estas estruturas "ganham muito com a mão-de-obra dos recém-licenciados, pois têm ali uma pessoa a trabalhar oito horas, às vezes sem receber um tostão".

E, embora as grandes sociedades costumem remunerar melhor, "esses estagiários geralmente não têm horário, pelo que aquilo que ganham não compensa o tempo de trabalho", concluiu.