23.10.09

Autarquia oferece tratamento dentário à população necessitada

Por Idálio Revez, in Jornal Público

Apenas pobres comprovados não pagam. Dos mil utentes já referenciados, só metade vai ter direito a medicina dentária gratuita no concelho

Preço reduzido para metade nas seis clínicas que aderiram


Pela segunda vez na vida, Custódio Ferreira, 39 anos, sentou-se ontem na cadeira do dentista. A boca, ao sorrir, mostra uma cratera. Não foi o receio das brocas que o afastou dos tratamentos, mas a falta de dinheiro. "Arrancaram quatro ou cinco dentes, não sei bem, mas não me doeu nada", desabafou à saída da clínica. Montou-se numa pedaleira e seguiu caminho em direcção ao mar, à procura de conquilha.

As seis clínicas do concelho de Vila Real de Santo António aceitaram o protocolo lançado pelo município para "democratizar" o acesso à medicina dentária. A iniciativa segue-se ao envio para Cuba de doentes para serem operados às cataratas, alegando que se encontravam à beira da cegueira e o Serviço Nacional de Saúde não tinha resposta.

Custódio Ferreira só há dois anos contactou com o dentista. Um dente cariado foi posto de raiz ao sol. Agora, aproveitou a ajuda municipal para "limpar" os outros que não lhe permitem comer pão com côdea. O pescador pretende apresentar-se de sorriso aberto quando nascer a segunda filha. "Está para breve", anuncia.

Prioridade à saúde

O presidente do município, Luís Gomes, tenciona, à semelhança do que aconteceu com as cataratas, pressionar para o reconhecimento da importância do acesso à medicina dentária: "Mais do que fazer rotundas e outro tipo de obras, vamos dar prioridade a tratar das pessoas."

O bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, Orlando Monteiro da Silva, deslocou-se ao Algarve, para sublinhar o "exemplo" da autarquia, na expectativa de que outras câmaras adiram ao projecto, complementando o Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral - o chamado cheque-dentista, lançado este ano pelo Governo, mas que só cobre uma faixa muito reduzida da população.

Segundo a autarquia, até final do ano, está disponível uma verba de 300 mil euros para tratar os dentes aos munícipes, mas está previsto que o programa se prolongue nos próximos anos. Porém, o autarca avisou que "o orçamento não é inesgotável". Só têm direito a tratamento gratuito as pessoas de menores recursos - aquelas em que, no agregado familiar, o rendimento seja inferior a metade do ordenado mínimo nacional.

Nos outros casos, a comparticipação varia entre os 50 e os 75 por cento, depois de uma avaliação às condições económicas, efectuada pelos serviços sociais. No primeiro mês surgiram cerca de mil pedidos, mas só metade é que irá ter direito a tratamento gratuito. É o caso de Custódio Ferreira, pescador que vive com os pais, reformados.

Luís Fonseca, 18 anos, estudante, sem dois dentes incisivos, também foi seleccionado para a primeira consulta municipal. "Espero sair daqui com um sorriso mais bonito", confidenciou, na cadeira do dentista.

"As pessoas têm vergonha de sorrir", diz o autarca, adiantando que contratou um médico dentista para fazer o rastreio à higiene da saúde oral dos necessitados. Em relação aos preços na medicina dentária conta que baixem, à semelhança do que sucedeu nas operações às cataratas, que passaram de dois mil para 700 euros por intervenção.