19.10.09

Contra a solidão da noite, idosos ganharam uma Telha Amiga

Por Maria João Lopes, in Jornal Público

Situada em plena Baixa de Coimbra, a casa, que abre as portas ao fim do dia, começou a receber os primeiros utentes em Setembro

Apoio custa 81 mil euros por ano

São 19h00 e o jantar está na mesa. Na Telha Amiga, centro de noite para idosos situado na Baixa de Coimbra, come-se arroz à valenciana e vê-se televisão. Três utentes à volta da mesa, uma funcionária ocupada na cozinha, com ligação à sala, todos num ambiente familiar. A casa medieval, recuperada pela Câmara de Coimbra para acolher idosos que não gostem de passar a noite sozinhos, respira agora "alegria" e modernidade, diz o director municipal de Desenvolvimento Humano e Social, Oliveira Alves.

O chão cor de laranja, em contraste com o mobiliário branco, dá luminosidade e a alegria pretendida ao espaço, que quase se confunde com uma residência de estudantes. Batem à porta. "Desculpe, eu vivo mesmo aqui ao lado, disseram-me que isto estava um luxo, gostava de ver, de saber como é, quanto se paga...". A visita inesperada chama-se Deolanda Paiva, tem 70 anos. Gosta de estar informada sobre o funcionamento deste tipo de estruturas porque vive sozinha e anda "com um bocado de medo da ladroagem à noite", explica.

Entra e confirma o que têm andado a dizer. A Telha Amiga está "um luxo". Cheira a novo, tem aquecimento, elevador, todos os quartos, individuais ou duplos, têm casa de banho privativa - apta para receber pessoas em cadeira de rodas - e todos têm o chão e os edredons cor de laranja. "Isto está tão bom, está muito lindo mesmo", vai repetindo Deolanda Paiva, à medida que espreita os diferentes cantos da casa. "Mas quanto custa?", pergunta.

Oliveira Alves esclarece que inicialmente "a ideia era que os utentes comparticipassem as despesas de funcionamento, mas a autarquia está a estudar a possibilidade de se substituir às pessoas que têm poucos recursos": "Pretendemos celebrar um acordo com a Segurança Social, a câmara e a casa de repouso, para suportarem os custos de funcionamento. Neste momento os utentes [seis] não estão a pagar nada, nem se prevê que venham a pagar", acrescenta.


Resposta insuficiente

Um dos idosos que não falham uma noite - até porque não tem casa pró-pria nem família na cidade que o apoie - é José Roque Dias, de 77 anos. "Melhor não há para mim. É sossegado e o comer é bom. Não há aqui barulho, não há aqui nada", diz. Tal como José Roque Dias, também Carlos Amaro, de 80 anos, chega à Telha Amiga por volta das 18h30. Vêm juntos da Casa de Saúde, onde passam o dia. "Se gosto de estar aqui? Que re-médio. É a modos como que uma prisão. Não posso ir a qualquer lado... Mas quando o tempo está mau, aqui está-se bem", ressalva.

"Aproxima-se o Inverno, as noites longas, tristes e pesadas. Estamos convencidos que rapidamente o equipamento vai ficar lotado", admite Oliveira Alves, sublinhando que a casa, aberta todos os dias, não se destina apenas a pessoas que vivem na Baixa: "Não fixámos uma área geográfica. Está disponível para pessoas, com alguma autonomia, da Baixa, da Alta ou de qualquer outro sítio...", explica. "Pretende-se que mantenham a sua vida durante o dia, as suas relações pessoais, mas que à noite, por não terem suporte familiar, por se sentirem inseguras, por terem medo, sejam acolhidas aqui. Jantam, tomam uma ceia, dormem, de manhã tomam pequeno-almoço e regressam às suas vidas", nota.

É Ana Cristina Afonso, funcionária da Casa de Repouso de Coimbra - entidade responsável pela gestão da Telha Amiga - quem abre as portas da casa, por volta as 18h00. "E também ela considera que a Telha Amiga é um equipamento "positivo". "O período da noite é o pior. É o período em que sofrem mais e em que têm mais recordações negativas. A maior parte destas pessoas não tem família, ou não existe qualquer tipo de contacto com a família", frisa.

Apesar de sublinhar a importância deste tipo de equipamentos, Oliveira Alves defende que as respostas sociais à terceira idade estão longe de serem as ideais: "Há 25 mil pessoas no município de Coimbra com 65 ou mais anos e temos um conjunto de respostas sociais que chegam a 2600, entre apoio domiciliário, lares, centros de dia, etc. Temos uma taxa de cobertura muito pequena, de dez por cento, o que é manifestamente insuficiente", especifica, lembrando que, dos 25 mil idosos do concelho, quatro mil vivem sozinhos. O dirigente autárquico defende que, tal como acontece no Telha Amiga, estas estruturas não devem cortar os laços familiares de amizade e de vizinhança que as pessoas mantêm na comunidade. "É preciso que fiquem ligadas às suas origens, senão são profundamente infelizes", alerta.

Deolanda Paiva desce as escadas e assoma na sala. "Nem preciso do elevador. Isto é tão bonito que nem cansa andar pela casa. Talvez venha aqui passar uns bocadinhos com os de idade. O espaço está muito lindo", diz. Aliás, já ficou lá a ver televisão. "Posso? Sento-me aqui um bocadinho...". "Claro!", diz-lhe Ana Cristina Afonso.