23.10.09

Duas gerações vivem de forma diferente com a sida

por Elisabete Silva, in Diário de Notícias

Com 62 anos e há 25 infectado, José Manuel Osório não esconde a doença, mas admitiu que ainda há "desconfiança" na sociedade. João, de 27, prefere manter segredo da família e no trabalho. A notícia devastou-o, mas os amigos apoiaram-no


Duas gerações, dois mundos diferentes, duas formas de estar, uma doença em comum: a sida. José Manuel Osório foi infectado há 25 anos por "uma doença esquisita". Tem agora 62 e não hesita em dizer que reagiu "muito bem" quando descobriu que estava infectado. João (nome fictício), tem 27 anos e há quatro foi confrontado com a notícia que o devastou.

Hoje enfrentam a vida com outros olhos, como contaram ao DN. A sida assim os obrigou. Mas ambos demonstram um espírito positivo que não lhes afecta a vida social e profissional. Só sexualmente admitem ter existido uma mudança de atitude, tendo sido precisamente por uma relação desprotegida que ambos foram infectados. Enquanto José Manuel Osório "cortou" essa parte da sua vida, João confessou já ter tido um relacionamento. "Agora não estou em nenhuma relação. Parte de mim sente essa dificuldade. Não consigo estar com alguém sem lhe explicar e são poucas as pessoas dispostas a aceitar uma situação como esta", salientou.

José Manuel Osório não esconde a sua doença de ninguém. A sua escolha permitiu-lhe perceber que tinha "mais amigos do que pensava". No entanto, sofreu também de discriminação: "no início tive problemas com algumas pessoas com quem trabalhava. Colocaram-me de parte. Continuo a ser produtor de espectáculos, mas deixei foi de trabalhar com certas pessoas."

João preferiu esconder a doença. É funcionário numa empresa de área comercial e revela que "era difícil" concentrar-se depois de ter recebido o diagnóstico. O segredo estende-se à família. "Só a minha irmã sabe. Preferi não dizer aos meus pais. Há várias implicações, uma das quais é a minha mãe ter problemas cardíacos", referiu. Acontece o oposto com José Manuel Osório: "a minha família, tal como eu, reagiu muito bem. Não fizeram comentários e fui sempre muito apoiado."

As amizades revelaram ser determinantes em ambas as situações. "Eu soube da doença através de uma 'bateria' de exames que fiz. Foi devastador a todos os níveis. Passei pela incredulidade, negação, mas com a ajuda dos amigos comecei a seguir em frente e a informar-me sobre a doença. Tenho um bom grupo de amigos e não sinto problemas de discriminação", afirmou João.

Já José Manuel Osório soube que estava doente depois de se ter sendo mal. "Uns amigos mais informados disseram-me para ir ao médico que andavam por aí umas doenças esquisitas. Os amigos foram um dos aspectos positivos de saber que tinha sida. Cheguei à conclusão que tinha mais do que pensava."

Com um quarto de século a conviver com uma das doenças mais mortais este produtor de espectáculos confessa que, apesar de ter reagido bem ao facto de ser portador da doença, muito se alterou na sua forma de ver a vida. "É tanta coisa que nem sei por onde começar. Por exemplo, mudei o meu comportamento em relação às pessoas, comecei a dar mais atenção a tudo o que me rodeia... fiquei com outro entendimento de vida", admitiu.

A convivência da sociedade com a sida continua a não ser pacífica, mesmo que a informação já esteja bastante generalizada. "Há algo pela negativa que destaco, como é o caso do comportamento de alguns profissionais de saúde. Parece que ainda não assimilaram a informação. É notória a mudança de atitude quando têm de tratar doentes com sida. O que é preciso mudar? Falta trabalho de base para que se encare de outra maneira a doença", defende João. Porém, deixa o elogio ao trabalho de algumas instituições de apoio a pessoas infectadas, como a Liga Portuguesa Contra a sida, que cumpre amanhã 19 anos (ver caixa).

No que diz respeito à evolução de mentalidades a que assistiu em 25 anos, José Manuel Osório não hesita em destacar "a descoberta de novos tratamentos", mas lamenta que "ainda exista muita desconfiança" na sociedade.

Com segredos ou falando abertamente da doença, ambos garantem que vivem o dia a dia como qualquer outra pessoa. Houve mudanças, como confessam, mas nada que os tenha impedido de seguirem os seus caminhos.

"Com os tratamentos que faço levo uma vida minimamente normal. Dizem-me que desta forma a minha expectativa de vida é igual a qualquer outra pessoa", concluiu João.