15.10.09

MENSAGEM REAPN NO DIA INTERNACIONAL PARA A ERRADICAÇÃO DA POBREZA

in AgriCabaz

ALGUNS DADOS ESTATÍSTICOS DE ENQUADRAMENTO

Em 2007 a taxa de risco de pobreza para a população portuguesa era de 18%. Valor que se mantém estável desde 2005.

Para o mesmo ano, o limiar de pobreza correspondia a 406€ / mês (4 878€ mensais). O grupo das mulheres, assim como a população mais jovem e as pessoas idosas (+65 anos) apresentam-se como os grupos mais vulneráveis às situações de pobreza. Em 2007 a taxa de risco de pobreza para as mulheres foi de 19%; para as pessoas com menos de 17 anos, a taxa foi de 21% e para as pessoas idosas de 26%.

Em termos de agregados familiares, verificou-se, para igual período, uma taxa de risco de pobreza elevada (31%) para as famílias unipessoais (apenas um adulto). Esta situação é mais grave quando esse adulto é uma mulher (33%) ou uma pessoa idosa (34%).

É de destacar igualmente um aumento da taxa de risco de pobreza em dois pontos percentuais (20%) para os agregados familiares com crianças a cargo. Se estes agregados forem monoparentais, a taxa de risco de pobreza agrava-se para 39% e se estiverem em causa famílias numerosas (2 adultos e 3 ou mais crianças) a percentagem é de 32%.

Portugal é dos países onde a desigualdade em matéria da distribuição de rendimento é bastante significativa. Em 2008 20% da população com maior rendimento recebia aproximadamente 6.1 vezes o rendimento dos 20% da população com o rendimento mais baixo.

A condição perante o trabalho é um dos indicadores que detém um impacto significativo na taxa de risco de pobreza. Segundo os EU-SILC de 2008, a taxa de risco de pobreza dos trabalhadores é de 12%, sofrendo alterações quando estão em causa a população sem emprego residente no país (25%).

Segundo os dados do INE, a taxa de desemprego no 2º trimestre de 2009 foi de 9.1%. Por comparação com o trimestre anterior, verificou-se um aumento de 0.2 pontos percentuais e relativamente ao período homólogo de 2008, o aumento foi de 1.8 pontos percentuais. Este aumento foi bastante sentido entre as pessoas do sexo masculino; das pessoas com idades entre os 25 e os 34 anos; com níveis de escolaridade completo (3º ciclo do ensino básico); desempregados à procura de novo emprego e à procura de emprego há menos de um ano. A população empregada (5 076,2 mil pessoas), por sua vez, sofreu uma diminuição no 2º trimestre de 2009 de 2.9% (151.9 mil pessoas) por comparação com o 2º trimestre de 2008 e de 0.4% relativamente ao trimestre anterior. Este decréscimo foi significativo junto das pessoas do sexo masculino, do sector da indústria, construção, energia e água; dos trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores a tempo completo.

A Europa e uma parte considerável do mundo enfrentam actualmente a pior crise financeira, económica, social e política, desde a década de 30 do Século XX. A consequência inevitável, actualmente muito visível e com assustadores impactos, é o aumento da pobreza e da exclusão social.

O actual modelo económico e financeiro, apoiado pela Estratégia Europeia de Lisboa renovada em 2006, agudizou a situação dos pobres, dando prioridade ao “crescimento e emprego”. Em grande medida, a União Europeia deu prioridade à liberalização e à defesa dos mercados não regulados, em vez de investir em estratégias presididas pela coesão social e que promovam a equidade, a justiça social, a redução da pobreza e as desigualdades na União Europeia e no mundo.

A proclamação do Ano 2010 como Ano Europeu do Combate à Pobreza e Exclusão Social constitui para todos nós uma esperança e uma oportunidade para alertar a Europa e o mundo para a injustiça social que significa a pobreza e a exclusão social e para (re)definir caminhos que nos levem à erradicação destes flagelos.

No Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza que hoje se assinala, pensamos que se torna primeiramente fundamental falar de valores. Torna-se imperioso que, para que as políticas
possam ser de facto consequentes, as mesmas devam ser enformadas por valores à altura dos
problemas que tentam enfrentar. A decisão de pôr em campo estratégias de combate à pobreza
deve assim significar a adesão e a defesa de um conjunto de valores (acima de todos os interesses, sejam eles pessoais, políticos, partidários ou quaisquer outros).

É importante começar por ver a pobreza como negação de fundamentais padrões de ética e a
injustiça que a mesma comporta. Neste sentido, propomos uma ética humanista, uma ética que se fundamenta na dignidade da pessoa e que entende que todas as pessoas têm direitos e deveres, uma dignidade própria que deve ser respeitada e assegurada.

É urgente encararmos tal tarefa como uma responsabilidade de todos. Temos que reconhecer
que todos somos, em abstracto, causa de pobreza e simultaneamente possibilidade de irradicação desse fenómeno. A erradicação deste problema passa pela reorganização das nossas sociedades de tal forma que as pessoas se possam sentir membros de facto e parte activa das mesmas.

Valores que a erradicação da pobreza exige

1. A Justiça como fundamento: a declaração dos direitos humanos, assinada em 1948, está
ainda, e lamentavelmente, por concretizar. Importa entender que a cada direito que um homem
ou mulher tem acesso (e importa acima de tudo assegurar), corresponde o dever de respeitar o
mesmo direito perante os demais cidadãos. Só haverá justiça quando direitos e deveres forem
uma constante na vida de todos os homens e mulheres. Devem ser criadas condições para que
todos possam exercer os seus direitos e quebrar o ciclo de transmissão inter-geracional da
pobreza.

2. A Igualdade como regra de convivência: todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e em direitos e tal facto faz com que não possa existir qualquer forma de discriminação entre seres humanos. No entanto, tal afirmação não passa de uma mera declaração tendo em consideração todas as desigualdades a que assistimos e nas quais participamos. A desigualdade compromete qualquer valor ético fundamental e sobretudo quando nos propomos combater e erradicar a pobreza. Assim, é fundamental reafirmar o princípio da igualdade como fundamento ético para a erradicação da pobreza.

3. A Partilha como expressão da solidariedade: não basta afirmar que se é solidário e agir em
conformidade apenas quando acontece uma tragédia, uma guerra, uma tempestade ou um
incêndio. A partilha deve ser uma atitude permanente (sobretudo e perante os que mais
sofrem). A partilha, enquanto expressão de solidariedade, não se deve referir exclusivamente à
redistribuição da riqueza material (embora esta seja essencial), mas também a outros bens
fundamentais como a palavra, a convivência e os conhecimentos. A participação activa de todos
os cidadãos só se poderá consolidar através da partilha destes elementos fundamentais nas
relações humanas.

4. A proximidade como forma de ser humano: sem encararmos o ser humano como nosso
semelhante, independentemente do local e da situação em que se encontra, independentemente
de género, cor da pele, religião, dificilmente poderemos perceber o verdadeiro significado da
pobreza e da desigualdade que a mesma comporta.

Para uma nova cultura social no sentido de um reformulado bem-comum .

Partindo dos valores propostos, a nossa mensagem é que a luta contra a pobreza seja transformada num “bem público”, ou seja, um novo projecto de cidadania. Uma tarefa colectiva
contando com a participação de todos, entendendo a erradicação da pobreza como um objectivo
prioritário e quotidiano para todos os cidadãos.

Esta nova cultura deverá ter por base:

 O acesso efectivo aos direitos e dignidade para todos é fundamental para assegurar que
cada homem e cada mulher sejam considerados, de facto, cidadãos e cidadãs de pleno
direito. Os direitos sociais são fundamentais – cuidados de saúde, habitação, educação,
rendimento adequado – e como tal devem ser garantidos a todos, sem discriminação.

 Uma economia ao serviço das pessoas e do interesse público. Os sistemas económicos
devem ser capazes de proteger as pessoas da pobreza e da exclusão social e respeitar o
primado dos direitos sociais em detrimento da liberdade desregulada dos mercados. Uma
redistribuição mais equitativa dos recursos e da riqueza deve (re)adquirir um papel central,
tanto na concepção das políticas económicas como das sociais.

 A mobilização de todas as políticas para o objectivo do combate à pobreza. É tempo de
repensar os sistemas e pôr em prática políticas onde a solidariedade, os direitos sociais e o
bem comum venham em primeiro lugar. Imaginar uma sociedade livre de pobreza é
imaginar uma sociedade diferente, onde todas as políticas – sociais, económicas, emprego,
educação, habitação – são mobilizadas de forma a acabar com a pobreza.

 A mobilização e a participação de todos. A acção de todos é central para mudar e
construir sociedades mais inclusivas. São necessárias formas de democracia mais
participativas, a todos os níveis e em todas as políticas. As estruturas de participação devem
assegurar que as vozes das pessoas em situação de pobreza e /ou exclusão social sejam
ouvidas e incluídas.

 A solidariedade entre as diferentes acções de luta contra a pobreza e a exclusão social
no mundo e na Europa. A dimensão nacional e europeia da luta contra a pobreza e
exclusão social não pode estar dissociada dos desafios globais relacionados quer com as
mudanças demográficas, a migração, as mudanças climáticas e o trabalho digno.
Para a concretização destas propostas e a posta em marcha de um novo paradigma
necessitamos de uma nova acção política para construir uma União Europeia em que
possamos confiar:

 Colocando a economia ao serviço do desenvolvimento social e sustentável.

 Reconhecendo a luta contra a pobreza, a desigualdade e a exclusão social e a defesa dos
direitos fundamentais como um desafio prioritário e um pré-requisito para o progresso a
nível europeu e mundial.

O ano 2010 representa um momento de excepcional oportunidade para darmos início a esta
mudança. Em 2010 temos que ser capazes de avaliar os progressos alcançados com a
Estratégia de Lisboa (que em 2000 comprometia os Estados-Membros e respectivos
governantes com um conjunto de objectivos que, claramente, estão por alcançar) e propor
uma nova estratégia.

Para que tal seja possível apelamos…

1. A uma nova Estratégia Social (pós 2010) que tenha como pré-requisito o progresso no combate à pobreza e às desigualdades; que estabeleça objectivos que dêem prioridade à coesão social e à defesa dos direitos sociais fundamentais com base num equilíbrio entre a dimensão
económica, o emprego, o ambiente e a sociedade, que fortaleça o papel da protecção social
(pensões e cuidados de saúde continuados) e das estratégias de inclusão social.

2. A um Pacto para o Progresso Social baseado nos direitos e na solidariedade que:
- Desafie as causas da pobreza reduzindo a desigualdade e obtendo uma distribuição mais justa
da riqueza;
- Garanta um rendimento adequado, sistemas de segurança social universais e acesso a serviços
sociais de qualidade;
- Crie vias para a inclusão: fazendo da abordagem integrada à Inclusão Activa uma realidade;
- Crie novos empregos para novas necessidades, investindo em empregos sociais/ambientais de
qualidade e na economia social;
- Promova a justiça social e a igualdade.

3. A construção de uma parceria dinâmica para a mudança, através da implementação de uma
governação efectiva e participativa, envolvendo as ONG’s e as pessoas em situação de pobreza,
a todos os níveis e em todas as fases do ciclo das políticas.

REAPN
17 de Outubro 2009

Rede Europeia Anti-Pobreza/ Portugal
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