26.11.09

700 mil utentes não têm médico de família

Ivete Carneiro, in Jornal de Notícias

Estudo da Deco dá conta de 700 mil pessoas semacesso a este direito. Ministério da Saúde tem outras contas


Enquanto não terminar a limpeza do registo de utentes, é impossível afirmar quantos não têm médico de família, até porque há 500 mil duplicados. A Deco diz que são 700 mil e que 37% esperam mais de um mês por uma consulta.

A conclusão da Associação de Defesa dos Consumidores assenta num inquérito a 4300 utentes de 70 centros de saúde, dos quais 10% disseram não estar inscritos na lista de nenhum médico. Extrapolando, dá 700 mil no país. "Não é novidade nenhuma. Mas o problema é que é mais uma estimativa. Ninguém saberá ao certo quantos serão enquanto o registo nacional do utente não estiver concluído", disse ao JN o coordenador da Missão para os Cuidados Primários, Luís Pisco.

O problema está justamente nesse registo. Segundo o secretário de Estado Adjunto da Saúde, implicou a fusão de 400 bases de dados diferentes, que arrancou há já uns anos, e tarda em ficar pronto. "No final do primeiro semestre de 2010 contamos estar muito próximos da realidade", acredita Manuel Pizarro. Até lá, está-se no terreno das suposições. Com uma quase certeza: "Estimamos que a nossa lista ainda possa ter mais de meio milhão de utentes duplicados". Ou seja, utentes inscritos em diferentes centros de saúde ou com duas inscrições com nomes parecidos. "No início do processo, eram 2,5 milhões".

O expurgo permitirá não só perceber que há médicos que não têm, afinal, os 1500 utentes previstos, como, porventura, desvalorizar o número de utentes sem médico de família. "Não é possível haver mais utentes do que pessoas em todos os concelhos do país", afiança Manuel Pizarro.

Quanto à eliminação dos duplicados, far-se-á de duas formas. Ambas demoradas. Os duplos registos desaparecerão à medida que se for generalizando o cartão do cidadão e, ao mesmo tempo, através do contacto pessoa a pessoa pelos serviços, até porque é legalmente impossível cruzar dados com o Bilhete de Identidade.

Seja como for, há utentes sem médico de família. Quantos? "Em 2005, calculávamos que eram 700 mil". Os mesmos de que fala agora a Deco, cujo estudo Manuel Pizarro garante estar bem feito. No entanto, se as unidades de saúde familiar (USF) deram médico a 300 mil utentes a descoberto, já só serão cerca de 400 mil, calcula.

No que toca à questão da espera denunciada pela Deco, o governante admite "tempos de espera excessivos nalguns sítios" e atribui-os à falta de médicos. E aponta, contudo, medidas que só a prazo terão efeito: o aumento de mil para 1658 do número de vagas para cursos de Medicina desde 2005, o aumento das vagas de especialidade de Medicina Geral e Familiar (que são 30% do total) e a abertura de um curso de Medicina no Algarve, região que, segundo a Deco, é a pior em utentes a descoberto e nos tempos de espera por consultas. Mas Pizarro realça o facto de o estudo revelar uma melhoria da satisfação dos utentes, que liga à melhoria do acesso devido às 207 USF.

O certo é que a espera por uma consulta denunciado pela Deco - mais de um mês para a maioria nos centros de saúde, contra uma semana em Espanha, e mais de dois meses para 27% nos hospitais - deixa longe os objectivos definidos na Carta dos Direitos de Acesso aos Cuidados de Saúde, que vai fazer um ano. Previa 15 dias para consultas nos cuidados primários e 30 a 150 nos hospitais, em função da prioridade.

Apesar de a Carta já estar em vigor, ainda não há avaliação da sua aplicação, admite Pizarro, que remete um balanço para o primeiro trimestre de 2010. "A ideia que temos é que o tempo de espera tem vindo a diminuir - no Norte está muito próximo do previsto - mas há especialidades e hospitais onde se espera acima do previsto".