24.11.09

"Crescimento da economia está nas mãos dos mais pobres"

Lucia Crespo, in Jornal de Negócios

São os "Next Four Billion", quatro mil milhões de pessoas cujos rendimentos, juntos, valem 5 mil milhões de dólares. Leia aqui a entrevista de Philip Kotler, o pai do marketing , ao Negócios.

Há um segmento de mercado que nunca foi encarado como tal. Sem dinheiro, os mais pobres foram, historicamente, excluídos do olhar das empresas. Mas o poder de compra da base da pirâmide social, se agregado, vale biliões. São os "Next Four Billion": quatro mil milhões de consumidores que, todos juntos, valem cinco mil milhões de dólares. Algumas multinacionais já o sabem, como a Procter & Gamble: criou um produto purificador da água para o mercado africano. Cada saqueta custa 0,1 dólares e dá para 10 litros. A empresa fez negócio e salvou vidas.

"O crescimento da economia mundial dependerá da forma como se conseguir transferir poder de compra para as mãos dos mais pobres, seja desenvolvendo produtos apropriados e baratos, seja promovendo o empreendedorismo", salienta, em entrevista ao Negócios, o "pai do marketing", Philip Kotler, que lançou este ano o livro :"Up and Out of Poverty: The Social Marketing Solution", em co-autoria com Nancy R. Lee.

"Há uma sobrecapacidade de produção. Podíamos produzir mais 33% de automóveis. O problema é que a classe média não vai consumir muito mais, já tem o que precisa. O desafio é, então, fazer da base da pirâmide um segmento de mercado, numa dupla aposta: negócio e combate à pobreza", salienta.

De acordo com o World Resources Institute (WRI), o segmento mais abonado da classe média, 1,4 mil milhões de pessoas com receitas "per capita" que variam entre três mil e 20 mil dólares anuais, representa um mercado de 12,5 mil milhões de dólares a nível mundial. Este segmento, geralmente urbano, muito cobiçado, está bem atendido, já demasiado explorado e sugado.

Em contraste, os mercados da base da pirâmide (BdP), geralmente rurais, em especial no mercado asiático, estão mal servidos e são dominados pela economia informal. A Organização Mundial do Trabalho (OMT) estima que mais de 70% da força de trabalho dos países em desenvolvimento opera na economia clandestina. O desafio das empresas é o de transportar este segmento e o seu poder de compra "oculto" para a economia formal.

Um alerta, contudo. Os pobres de que aqui se fala não são os mais pobres dos pobres, aqueles que vivem com menos de um dólar por dia, objecto de estudos vários pela economia do desenvolvimento. Os "Next Four Million", nicho analisado pelo WRI, inclui cerca de quatro mil milhões de pessoas, que vivem em pobreza relativa, com rendimentos anuais abaixo dos três mil dólares. Os seus ganhos diários rondam os 3.35 dólares no Brasil, 2.11 na China, 1.89 no Gana, 1.56 na Índia. Juntos, representam um poder de compra que ascende a cinco mil milhões de dólares a nível global.

O que Kotler, entre outros autores, postula é que o desenvolvimento deste nicho pode basear-se na economia de mercado, com a lei da oferta e da procura a funcionar. Então, tal como para qualquer segmento, há que saber quais as suas necessidades e desenvolver uma estratégia com os "4 P" de Kotler (Produto, Promoção, Praça e Preço).

Qual a procura? A maioria dos "Next Four Billion" não tem conta bancária nem acesso a serviços financeiros. Quando conseguem empréstimos, fazem-no junto de prestamistas locais com taxas de juro elevadas. A maioria deste segmento também não tem telefone próprio, além de outras necessidades como cuidados médicos essenciais, saneamento básico e electricidade.

"As empresas precisam de trabalhar em novos paradigmas de preços", sublinha Kotler e aponta o exemplo de multinacionais que lançaram novos negócios ou estenderam linhas de produto, como a Unilever e a P&G. Intel, Honeywell, Shell e Microsoft são outras empresas com várias experiências-piloto.

Há, também, companhias locais de sucesso conhecido como a Grameen Telecom, que presta serviço a 80 mil vilas rurais do Bangladesh, ou a Smart Communications, nas Filipinas, que vende mensagens telefónicas pré-pagas a 0,03 dólares. Outro modelo de negócio é o acesso partilhado, em que um empreendedor com um telefone proporciona o seu uso à comunidade, mediante pagamento por chamada. É preciso repensar tudo.