29.11.09

Natal não deverá compensar perdas dos comerciantes

Por Ana Rita Faria e Ana Rute Silva, in Jornal Público

Portugueses vão gastar menos nesta quadra, mas o comércio espera mais vendas, embora duvide de que isso baste para segurar resultados do ano


É o tudo ou nada. A campanha de vendas mais decisiva do ano para o sector do comércio já começou em finais de Outubro e, dos brinquedos e chocolates ao vestuário e perfumaria, a expectativa é a de que este Natal seja melhor do que o do ano passado. Quase ninguém duvida de que a facturação cresça neste período, mas uma incógnita permanece: será o impulso no consumo suficiente para amparar as quebras ao longo do ano? "É sempre um período de maiores vendas em muitos subsectores do comércio e este ano não será excepção. A questão que se coloca é saber se esse aumento de vendas é suficiente em termos económicos para compensar o resto do ano. Temos fundadas dúvidas de que isso acontecerá", diz a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal. O pessimismo dos comerciantes vai mais longe: é "convicção" do sector que muitas empresas não conseguirão manter as portas abertas até final do ano.

O estudo Xmas Survey 2009 da consultora Deloitte estima que os portugueses deverão gastar, em média, 390 euros em presentes - 30 euros por cada prenda, para uma média de 15 ofertas. Face a 2008, a quebra é de 3,7 por cento (405 euros). A recessão económica trouxe novos hábitos de consumo e fórmulas de venda mais agressivas. Mais do que o preço, a tendência de 83 por cento dos portugueses será dar prendas úteis. No contexto europeu, só os países da Europa de Leste (com excepção da República Checa) planeiam gastar mais dinheiro em prendas neste Natal.

Bens comprados em alta

No cabaz de compras, os livros estão no topo das preferências (63 por cento dos inquiridos) e estes dados trazem algum optimismo a Miguel Freitas da Costa, secretário-geral da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL).

"Em termos gerais temos esperança de que o Natal seja uma época que não seja má para os livros. É uma das alturas mais importantes para o sector, pesa bastante nas vendas", afirma, sem especificar. As estimativas para 2009 são positivas. Miguel Freitas da Costa refere que não se registam quebras nas vendas de livros e o número de pedidos de ISBN (o sistema indentificador) tem vindo a crescer desde 2006 - até Outubro registaram-se 11.227 solicitações. Um indicador de vitalidade do mercado.

Também no negócio dos brinquedos, a recessão parece ter ficado de fora (ver texto ao lado) e as atenções voltam-se agora para o Natal. O ano foi dominado por brinquedos coleccionáveis, que deram impulso ao sector, mas falta agora saber se os pais vão preferir produtos de gama mais alta. "Não sabemos ainda se o consumidor vai fugir dos preços altos e continuar a comprar coisas mais baratas", diz Sara Marçal, directora de marketing da Mattel. Uma incerteza que preocupa um sector onde 60 a 70 por cento das vendas anuais se fazem no Natal.

Já para o sector das bebidas, um dos produtos mais consumidos e oferecidos no Natal, esta época poderá trazer um novo fôlego. Com um 2009 em que "praticamente nada se vendeu a não ser vinhos abaixo de dois euros", o presidente da Associação dos Comerciantes e Industriais de Bebidas Espirituosas e Vinhos (ACIBEV), António Soares Franco, acredita que o Natal trará alívio, fazendo as vendas subir cinco a dez por cento.

Também para o mercado do vestuário e calçado, a segunda prenda mais oferecida pelos europeus (segundo o estudo da Deloitte), as vendas irão aumentar durante a quadra natalícia. "Será um aumento ligeiro em si, mas significativo tendo em conta o actual contexto económico", realça Catarina Lino, do departamento de vendas da Lanidor, onde o Natal contribui com 12 por cento das vendas totais.

Igual cautela estende-se aos perfumes e cosméticos. "O mercado em geral irá aumentar as vendas neste Natal, mas isso não será suficiente para o sector crescer este ano em termos globais", evidencia António Ferreira de Almeida, director-geral da Sephora. Com as vendas natalícias a pesar 20 a 25 por cento na facturação anual, a empresa de perfumes e cosmética espera crescer seis por cento este ano. Uma meta positiva mas que, ainda assim, não compensa o afundamento das vendas em 2008, que chegou aos dez por cento.

Tão doce como 2008

"Optimismo prudente" é como Manuel Paula, director da Associação do Comércio Electrónico e da Publicidade Interactiva em Portugal, define o espírito das empresas que vendem na Internet. Também para o negócio dos chocolates, a perspectiva não é de aumento, e sim de estabilização. "No ano passado, a crise não fez descer as vendas, mas também não aumentou, e esperamos que este ano aconteça o mesmo, porque o chocolate substituiu outras alternativas mais caras e é encarado quase como uma forma de compensação de situações difíceis", diz o presidente da Associação dos Industriais de Chocolates e Confeitaria (ACHOC), Manuel Barata Simões.

No caso da Nestlé, onde 50 a 60 por cento do negócio dos chocolates e bombons se faz no Natal, a crise também refreia as expectativas. "Esperamos um crescimento moderado este ano, de dois a três por cento, sendo que o Natal representa o grosso", estima Orlando Carvalho, responsável pelo marketing de chocolates.

Para a Associação do Comércio e da Indústria de Panificação, Pastelaria e Similares (ACIP), as vendas também deverão aumentar. "Normalmente Dezembro faz disparar as receitas, que duplicam nos estabelecimentos mistos (panificadora e pastelaria)", diz o presidente Alberto Santos. Isto apesar de a concorrência das grandes superfícies provocar "grandes estragos" ao sector, que assiste à "massificação do bolo-rei e à venda em dumping [abaixo do preço de custo]".

Shoppings optimistas

Nos centros comerciais, o Natal é um período de glória. Os espaços são exaustivamente decorados, inventam-se promoções e concursos, tentando atrair mais pessoas e aumentar as vendas. Apesar do cenário de crise, 2009 não foge à regra e as donas dos maiores centros comercias portugueses investiram no marketing para garantir que este Natal será melhor do que o do ano passado.

A Chamartín, que detém os centros comerciais Dolce Vita, prevê que as vendas aumentem quatro a cinco por cento nesta quadra. O Natal tem um peso de 30 por cento nas vendas anuais, que deverão aumentar entre 1,5 e 2 por cento em 2009.

Segundo o administrador executivo Artur Soutinho, "a época natalícia tem um peso cada vez mais significativo na performance anual dos centros comerciais", quer devido à antecipação das compras natalícias para Novembro, quer à antecipação dos saldos para final de Dezembro.

Embora não divulgue valores, também a Sonae Sierra, que gere centros comerciais como o Colombo ou o NorteShopping, prevê uma "performance positiva" nesta época natalícia. Já para os espaços Fórum da Multi Mall Management Portugal (MMM), a expectativa é de um crescimento de vendas de cinco por cento este Natal, em linha com o do ano inteiro.

De acordo com o gestor da MMM, Paulo Alves, "os centros comerciais são centros estáveis de venda, mas também se nota que as pessoas estão mais racionais, trocando a compra de impulso por uma compra mais justificada". Uma tendência que pode não comprometer a subida das vendas, mas que refreia o optimismo de quem está atrás do balcão.