29.11.09

"O que é que os jovens do Lagarteiro fariam se não tivessem isto?"

Por João Pedro Barros, in Jornal Público

Iniciativa Bairros Críticos promoveu um concerto no Bairro do Lagarteiro com grupos locais. O objectivo foi abrir os horizontes de uma população com baixas qualificações e rendimentos


Ninguém terá passado indiferente à música que saía das colunas e se espalhava pelo bairro, e essa terá sido uma das vitórias do concerto de ontem na Escola EB1 do Lagarteiro, realizado no âmbito da Iniciativa Bairros Críticos (IBC). O trio de MC Mensageiros da Profecia, nado e criado no Lagarteiro, abriu esta espécie de minifestival, com rimas maioritariamente baseadas na vida difícil do bairro. O objectivo do evento foi "abrir horizontes": "Vamos gravar um CD com o que aconteceu aqui e procurar mostrar estes grupos noutros locais. Provavelmente vamos começar pela Rua de Santa Catarina", revelou Cláudia Costa, a coordenadora da iniciativa no bairro portuense, da responsabilidade do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU).

A IBC está no Lagarteiro desde Março. Eventos como o de hoje servem para mostrar o talento que floresce em condições difíceis: "Temos uma série de pessoas envolvidas, grupos de jovens, que conseguiram pôr isto de pé mesmo em condições difíceis". O dia foi chuvoso e, por isso, os concertos tiveram de ser deslocados para uma das entradas da escola. O palco salvou-se do perigo da chuva e, em volta, cerca de cem pessoas iam espreitando as diversas actuações. No Lagarteiro, situado na parte mais oriental da freguesia de Campanhã, residem cerca de 2000 pessoas, em 446 fogos, distribuídos por 13 blocos. A população é jovem: a média etária é de 35 anos e 37,8 por cento dos habitantes tem menos de 25 anos.

Um pequeno grande passo

Para o MC Monkey, dos Mensageiros da Profecia, a IBC era "aquilo que faltava" ao bairro. "Tínhamos o projecto a morrer e eles fortaleceram-no com fundos e actividades. Nós também os ajudamos, porque conhecemos o pessoal e sabemos como devem agir. O pessoal dos bairros é muito complicado", explicou. O MC, de 20 anos, revela que quando queriam fazer algo do género no passado arriscavam-se a ter "a polícia" à porta: "Tudo o que fazemos é para o bem do bairro. Isto estava a morrer cada vez mais e não queremos porque somos daqui".

O tráfico e o consumo de droga e o abandono escolar são alguns dos problemas mais graves, pelo que estas iniciativas parecem ser bem vistas pela população. Discretamente, encostadas a uma parede, Catarina Ribeiro e Conceição Faria aprovavam o que viam: "Claro que sim, o que é que os jovens fariam se não tivessem isto? É um pequeno passo, mas muito grande", disse Catarina Ribeiro, de 42 anos, há oito aqui. A moradora diz "incentivar" os filhos a participar nas actividades: "Nada aqui os puxa para o bem. Veja bem, há aqui crianças pequenas sossegadas. É porque algo lhes chamou a atenção".

Num bairro em que cerca de 75 por cento da população é beneficiária do rendimento social de inserção, o desemprego é preocupante. Margarida Sousa, de 43 anos, há 18 no bairro, é mais um exemplo. Os responsáveis da IBC fizeram entrevistas com todos os habitantes e sugeriram-lhe que se dedicasse aos tapetes de Arraiolos, mas a residente diz que precisava de ajuda de vizinhos e não a conseguiu. "Há pouca gente que queira participar. As pessoas pensam sempre que não vai acontecer nada. O rendimento mínimo estraga muita coisa", notou. A conversa com o PÚBLICO acabou ser interrompida pela fanfarra da Gaitifana, que diversificou a paleta musical com sons tradicionais portugueses e galegos.