27.11.09

OCDP distribuiu cabazes de alimentos pelas famílias carenciadas do concelho - Parede meias com a pobreza

por Fernanda Pinto, in O Verdadeiro Olhar

Fala-se em pobreza escondida. Mas os números são vagos. Até porque a vergonha por vezes é muita para que as famílias admitam que precisam de ajuda para sobreviver.

Normalmente não querem dar a cara, mas alguns agregados que vivem no centro de Paredes que consentiram em dar o testemunho e abriram-nos as portas durante uma das distribuições de cabazes de alimentos da Obra de Caridade ao Doente e ao Paralítico (OCDP).

São sobretudo pessoas idosas, que muitas vezes vivem sozinhas ou têm mesmo filhos como dependentes e que não contam com mais nenhuma ajuda. As reformas são pequenas, as doenças são muitas e o dinheiro mal chega para as coisas básicas, quando chega.



"Vergonha é não ter quem ajude"

A azáfama era grande na sede da OCDP numa segunda-feira de chuva. Glória e Albertina eram duas das voluntárias que ajudavam a preparar os cabazes com alimentos cedidos pelo banco alimentar e com alguns que recolheram no concelho. São também estes voluntários que acompanham a distribuição, porta a porta, até porque são eles que detectam as situações de carência.

Foi com a dona Albertina que começamos a distribuição mesmo no coração da cidade. Manuel, também jovem voluntário e secretário da obra, conduz a carrinha que nos levou primeiro ao Parque da Feira. Alcina Ferreira, de 49 anos, abriu as portas para receber o cabaz destinado à sogra, com 72. A pequena reforma dela não dá para tudo, explica-nos a mulher que está desempregada e que, por isso, também não pode ser de grande ajuda.

"Esta casa é uma miséria", diz a voluntária enquanto vamos a caminho de outra habitação. "Alguns dão o nome para receber a ajuda. Outros não. Têm vergonha", acrescentou.

Em casa de Rosalina Moreira, de 68 anos, faz-se nova paragem. Também já não é a primeira vez que recebe ajuda. Mora com o marido, de 69 anos, e o filho, de 44, que, por ter problemas de epilepsia, não trabalha. Vivem da reforma de ambos, que é das pequeninas, mas que dá para ir governando: "Temos que nos tontear pelas leis que temos". Não esconde que estes alimentos fazem muito jeito e, ao contrário de muitos, Rosalina pergunta "vergonha de quê?". "Vergonha é não ter quem ajude", completou logo.

"Há muita miséria e não parece"

Depois de percorridas algumas casas voltamos à OCDP para carregar novos cabazes. Desta vez, somos escoltados pelo senhor Elias, marido de uma das voluntárias e com uma vida ajuda ao próximo que já começou quando foi bombeiro, durante mais de 30 anos. "Esta semana chegou para nós", explica-nos pelo caminho, "fomos ajudar os motards, em Penafiel. Cozinhar para aquela gente. Ficaram todos satisfeitos".

Joaquim Ribeiro, de 90 anos, mora com a filha Elisa (60) e com o genro (57). São todos reformados nesta casa, e "as dificuldades são muitas", garantem. Esta ajuda cai do céu. E quando não a recebem? "É preciso poupar, porque para remédios e tudo não chega a nada", confessam. Esta família também é das que, à quinta-feira à noite, janta na Sopa dos Pobres da OCDP. "Tenho vergonha de ir pedir. Os meus amigos é que me estão a valer. Não tenho mais ajudas. Às vezes se preciso de um tostão é o meu pai que me empresta da reforma dele", afirmou Elisa.

São os voluntários que vão reconhecendo estas situações de pobreza, explicou o senhor Elias. "Isto custa-me. Há muita miséria e não parece. Mas muito ou pouco dá-se sempre", declarou enquanto seguíamos para outras entregas.

Uma dessas paragens foi na Senhora do Monte, à entrada de Penafiel. Aí mora António Cabral, de 72 anos, com a esposa Maria Cândida, de 62 anos, que desde que teve um AVC há quatro anos ficou com mazelas que a prendem hoje a uma cadeira de rodas. De um agregado com 10 filhos, cinco ainda moram com os pais, mas só a mais nova, Diana Andreia, não trabalha para tomar conta da mãe. "Gasto muito dinheiro com ela em remédios e em consultas particulares", explicou o homem reformado. Os filhos ajudam em alguma coisa, "pelo menos para comer", mas é "muito complicado", confessa, dizendo que esta ajuda da OCDP vem sempre em boa hora.

"Quem precisa esconde-se"

Muitas mais foram as casas onde foi entregue um cabaz. Foram distribuídas cerca de quatro toneladas de géneros alimentares, a 400 pessoas (90 famílias), já que a maior parte dos agregados não é de apenas duas pessoas, explicou o padre Feliciano Garcês. O responsável pela OCDP garante que esta ajuda vai continuar e que o objectivo é torná-la, pelo menos, mensal. "Apesar da crise as pessoas dão, colaboram, sensibilizam-se bastante", referiu.

Ainda antes do Natal será entregue nova remessa de alimentos em casa daqueles que mais precisam. Não pela quadra em si: "Sempre disse que quando as pessoas precisam menos dos cabazes é no Natal, porque aí toda a gente se lembra. É uma hipocrisia achar que as pessoas só têm fome uma semana por ano. As pessoas têm fome o ano inteiro. Seria muito mais interessante que nos organizássemos e fossemos fazendo a distribuição ao longo do ano", argumentou Feliciano Garcês.
A pobreza que coexiste lado a lado com vidas folgadas é muitas vezes invisível, porque os próprios assim o querem, explicou o pároco. "Quem precisa esconde-se. Há uma pobreza envergonhada", continuou, "outras vezes vêm buscar e trazem sacos de hipermercados e fingem que vieram às compras".

Voluntários conhecem a realidade

É por isso que a OCDP optou por entregar os cabazes em casa, já que acredita que se tivessem que ir levantar à instituição muitos não iriam buscar esta ajuda, apesar de precisarem. "Há muita pobreza. Nós vamos apanhando as pontas", disse o padre Feliciano, falando do trabalho extenso da rede de voluntários, cerca de 150 no total, sendo que 50 colaboram de forma mais regular, que conhecem bem a realidade das famílias. "Eu tenho a certeza que nenhum destes cabazes vai para onde não é preciso", afiançou.

Muitos dos beneficiários desta ajuda são idosos, doentes, que vivem sozinhos ou que têm mesmo filhos a seu cargo. E há falta de apoio da Segurança Social, argumenta o responsável desta instituição. "Desde que estou em Paredes que tenho dito que não ter um lar de idosos é das coisas mais graves do concelho. Mais do que estradas e cimentos devia-se olhar para a parte humana. Às vezes sabemos que dentro de casa há muitas misérias e não é só porque se pinta a casa que as misérias não continuam", concluiu.




Muito dinheiro fica na farmácia

Ele era ajudante de motorista e ela sempre foi doméstica. Maria da Conceição Ferreira, de 77 anos, nasceu e mora ao lado da Tabacaria Ruão. O marido, Manuel da Silva, de 78 anos, tem alzheimer diagnosticado há 15. "Lembra-se dos antigos e não dos novos. Só para ele é preciso uma farmácia, é muito dinheiro", explicou a mulher, dizendo que só têm as duas reformas, ambas baixas. E é preciso pagar a renda, a água, a luz, o gás, o telefone… E os quatro filhos que também pouco podem ajudar.

Além do cabaz da OCDP, não recebem mais nenhuma ajuda. "Já fui à Segurança Social pedir para os remédios e disseram que iam dar 20 contos por ano, mas até hoje nada", disse, criticando: "Eles só dão para o rendimento mínimo. Haviam de dar a quem precisa".



"Fomos sempre habituados a viver com pouquinho e cá nos governamos"

Maria Inês Duarte, 71 anos, e o marido, Adelino Ferreira, de 72 anos, receberam esta ajuda pela terceira vez. Foi com um simples "muito obrigado" que estes reformados receberam este cabaz.

Depois de duas operações no Instituto de Oncologia, há 12 anos, o marido, que era mecânico, só come alimentos passados – leite, sopa e fruta – tendo dificuldade em engolir. Também muitas doenças tem Maria Inês, que já passou pelo mesmo Instituto e que tem ainda osteoporose. "Desde há quatro anos tenho tonturas e desequilíbrios que me fazem ter medo de sair à rua. Tomo medicamentos para tudo", explicou. Três filhos, todos independentes, mas que pouco ou nada a podem amparar, fazem-na dizer que governa a casa "com as linhas que tem".

'A reforma chega para as despesas?', perguntamos. "A gente faz chegar… se temos 20 não vamos gastar 40", continuou a mulher. O único conforto deste casal que vive em casa simples, é o fogão de lenha. "Não devo nada a ninguém nem passamos fome. Fomos sempre habituados a viver com pouquinho e cá nos governamos", salientou Maria Inês.

"Esta ajuda faz muito jeito. Mas já disse que se houver quem precise mais, eu não levo a mal", diz com humildade.




"Temos vergonha de pedir. Nunca pensei chegar a este ponto"

A vida deu-lhes a volta e é com vergonha e lágrimas nos olhos que falam. Maria Alice, de 64 anos, é doméstica e sempre o foi. José Fernando Sousa, tem 65 anos, era mecânico, mas já está reformado. Com eles vive uma neta, de 16 anos, que sempre criaram.

O marido teve um enfarte e ela um AVC e agora "vivem de nada". "Recebo 57 euros da Misericórdia", diz José Fernando, enquanto explica que a reforma foi cancelada há mais de um ano. "Já tinha 40 anos de descontos e prenderam-ma porque devo quatro anos à Segurança Social. Enquanto não pagar não recebo", e a dívida, com juros, ultrapassa os 10 mil euros.

São os três filhos e alguns familiares quem tem ajudado. "Em medicamentos, por mês, para mim e para ela é preciso à volta de 180 euros", disse o homem. Por isso, esta ajuda da OCDP é essencial, até porque nunca precisaram de a requerer. "Temos vergonha de pedir. Nunca pensei chegar a este ponto", continuou José, que antes trabalhava por conta própria na sua oficina. "Se não fosse o nosso filho mais velho não tínhamos hipótese", concluiu.


Composição do cabaz

2 pacotes de leite
2 pacotes de leite em pó
2 pacotes de leite com chocolate
4 pacotes de massa
2 pacotes de arroz
2 pacotes de açúcar
2 pacotes de pevide
4 pacotes de bolacha
2 pacotes de cereais
2 pacotes de planta
2 embalagens de queijo fundido
2 embalagens de queijo em barra
2 sobremesas de queijo e morango
2 latas de arroz doce
Polpa de tomate
Farinha

* Para agregados de duas pessoas