30.12.09

"Dispensado" da Sé

Ricardo Miguel Oliveira, in DNotícias.pt

A diocese do Funchal vai apostar mais no sector da comunicação


"Dispensado". Eis o termo canónico, que nem todos os bispos usam no decreto de nomeações pastorais, mas que D. António Carrilho aplicou ao mediático cónego Manuel Martins.

O sacerdote deixa a paróquia da Sé e o arciprestado do Funchal. Muda-se para Leste. Por alegada vontade própria. E talvez devido à exposição pública decorrente das suas homilias dominicais. Está agora a caminho das paróquias de Machico e Ribeira Seca. A tomada de posse está marcada para 26 de Setembro, na Eucaristia das 19h.

A zona pastoral estava 'vaga', ou melhor, a cargo do administrador paroquial José Gil Pereira, um sacerdote da Congregação da Missão, que substituiu o padre António Pestana Martinho durante o período de doença deste e após a sua morte. Uma situação de transição que a diocese entende pôr cobro.

No decreto, assinado no passado sábado pelo Bispo do Funchal, não há outras explicações para a mudança de Manuel Martins, cónego conhecido pelo incómodo causado por reflexões feitas na Catedral. Uma voz com difusão garantida em muitos meios de comunicação e que, entre outros aspectos, chegou a questionar a política regional de apoio aos pobres. O pastor diocesano apenas refere que as mexidas, as que fez agora e porventura as que fará depois das eleições autárquicas de 11 de Outubro, visam a "difícil tarefa de assegurar a assistência espiritual e religiosa das comunidades cristãs e o seu dinamismo evangelizador".

O bispo deixa claro que entendeu "por bem" proceder a outras nomeações pastorais. A de Manuel Marins abre um lugar, a preencher a partir de 4 de Outubro pelo actual pároco do Monte, o mais discreto cónego Vítor dos Reis Franco Gomes. Um padre ordenado no mesmo dia que o seu antecessor e que já passou por Santo Amaro, Campanário e São Gonçalo, bem como pela Catedral, onde foi pároco durante três anos, solidariamente com Manuel Martins.

Para a igreja consagrada à padroeira da Região vai o padre Giselo Alberto Vieira Andrade, mas como Administrador Paroquial. Toma posse a 10 de Outubro, na missa das 18h. Vem de Roma, onde estudou Ciências Sociais, na Pontifícia Universidade Gregoriana, estando a terminar o Doutoramento. O sacerdote terá responsabilidades também no âmbito das Comunicações Sociais da Igreja, "a definir oportunamente". Um pormenor que confirma o reforço de atenção da diocese a este importante sector e que antecipa as implicações decorrentes da anunciada privatização do 'JM'.

Sabe-se que está ser preparado um noticiário religioso a emitir no Posto Emissor do Funchal, que o recurso ao 'Youtube' será mais frequente e que está em perspectiva a publicação anual de um 'boletim diocesano' que inclui todas as intervenções episcopais. Foi o suplemento eclesial do 'JM', 'Pedras vivas', que ontem anunciou as novidades.

A relação informativa da igreja com os meios de comunicação continua para já entregue ao Gabinete de Informação da Diocese, dirigido por Marcos Gonçalves. É nessa qualidade que vai a Fátima, a 10 e 11 deste mês, participar nas jornadas de comunicação social. Um momento de reflexão que tem como tema 'Gabinetes de Imprensa - luxo ou necessidade" e que também vai contar com a presença de D. António Carrilho.

Padre da Ribeira Seca satisfeito: "Vamos ser Dois Martins e dois lutadores"

"Vamos ser dois Martins, dois lutadores, dois apóstolos como Pedro e Paulo". O entusiasmo foi partilhado ontem à TSF-Madeira por Martins Júnior, o padre da Ribeira Seca há quase 40 anos.

Mesmo 'suspenso', o sacerdote celebra no templo sobre o qual Manuel Martins passa a ter jurisdição. Uma realidade que nem é nova e não o apoquenta. Até porque a sua leitura diverge de muitas outras: "O povo é que faz a Igreja e não as decisões administrativas".

Estabelecida a diferença, garante estar satisfeito e que se vai dar bem com o novo pároco, perspectivando que se sentirá mais apoiado nos ideais que defende, também na luta pelos mais desfavorecidos da sociedade.

Martins Júnior aprecia o tom crítico do cónego. Considera-o "um lutador pela transparência e pela verdade do Evangelho". Daí que espere continuidade na cobertura mediática. "A comunicação social deve acompanhá-lo porque ele merece", refere, usando o argumento que mais importante do que as quatros paredes da igreja "é a mensagem".

A nomeação pastoral do cónego tem implicações. A perda de palco mediático é a mais evidente, a menos que deite mão de ferramentas tecnológicas que permitem colocar as suas reflexões dominicais na 'aldeia global' em tempo real. Ou então que uma qualquer rádio inclua na sua programação a transmissão do sermão, prática que não é seguida actualmente pela rádio local de Machico. Bem pelo contrário: a rádio Zarco passa um programa da IURD. Exceptuando a RJM e o PEF, nenhuma outra estação transmite regularmente as missas de domingo. E foi a transmissão pelo PEF das homílias polémicas que permitiu que outros meios de comunicação amplificassem a mensagem.

Cabe a Manuel Martins gerir a mudança. Limita-se a antever bom relacionamento . "Não vou fazer guerra, nem vou excluir ninguém", confidenciou ontem à Antena 1.

Nomeação "a pedido"?

O cónego Manuel Martins assumiu publicamente que deixa a Sé do Funchal "a seu pedido". E assim tenta evitar que outras leituras, porventura políticas, admitissem a influência de outra mão, que não a eclesial, na anunciada mexida com objectivos pastorais. Por tal, no último boletim paroquial o sacerdote revela o conteúdo de uma missiva enviada a 9 de Julho passado a D. António Carrilho na qual exprime "o desejo pessoal de fazer uma nova experiência pastoral e com todo o sentido e obediência e lealdade manifestar total disponibilidade e desejo de ser dispensado do serviço paroquial da Sé, para aceitar um outro serviço paroquial fora do arciprestado do Funchal".

Para Manuel Martins, a mudança de pároco, após alguns anos de serviço - e no seu caso foram 17 na Sé - "é em geral benéfica para as comunidades e para o próprio, atendendo a que proporciona maiores desafios e desinstala da rotina a que tantas vezes nos acomodamos, irreflectidamente".

Explicadas as causas, se é que foram só estas, alguns sacerdotes madeirenses não estranham a manobra de antecipação, talvez inspirada em D. Teodoro Faria, que por vezes usava o termo "a seu pedido" em nomeações mais polémicas, para assim esvaziar protestos. D. António Carrilho também tem partilhado com os padres que, sempre que for possível, dá o jeito para que a transferência desejada se concretize. Já disse que as escolhas dependem da "disponibilidade dos próprios sacerdotes, segundo as suas capacidades e desejos" e que "qualquer mudança é antecedida do diálogo necessário a um correcto discernimento".

O que não admite é outro tipo de ingerências. "Ninguém pensará, certamente, que um Bispo faz nomeações e mudanças de agentes pastorais por mero capricho pessoal ou pressões de qualquer natureza. Não muda por mudar, para dar gosto a uns ou aborrecer outros!". Tamanha certeza foi deixada em entrevista concedida ao 'JM' a 21 Setembro do ano passado, após as nomeações de então.

Perfil

Manuel Martins nasceu a 28 de Maio de 1959. É natural freguesia de Machico, paróquia das Preces.

Foi ordenado presbítero a 5 de Setembro de 1992, na Sé do Funchal. Foi membro da Equipa formadora do Seminário Diocesano, Assistente Espiritual Adjunto dos Jovens Cristãos da Madeira e Assistente da Legião de Maria.

Foi nomeado Penitenciário Mor da Diocese em 2002 e Director do Departamento de Turismo do Secretariado Diocesano das Migrações e Turismo em 2007.