30.12.09

Famílias portuguesas têm menos rendimento disponível

por Rudolfo Rebêlo, in Diário de Notícias

Ganhos em salários, menos juros de depósitos e alugueres levam portugueses a cortar no consumo e a poupar menos. Redução de IRC salva patrões da banca.

Os ganhos das famílias em salários e rendimentos em juros ou alugueres, já descontados impostos, caíram 1,1% no ano terminado no terceiro trimestre de 2009, em termos nominais. Ou seja, descontada a inflação os rendimentos dos portugueses contraíram 0,5%, pelo menos. Como consequência, as poupanças desaceleraram, enquanto os gastos em consumo estão em queda livre, pelo terceiro trimestre consecutivo. É a crise, com o desemprego a aumentar, em ano de baixa histórica nos preços.

Deverá ser a maior queda de rendimentos reais nos bolsos dos portugueses, desde pelo menos meados da década de 90. As famílias não perdiam rendimentos, nominais, desde o último trimestre de 2007, de acordo com dados ontem divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos às contas nacionais.

A perda nos rendimentos, líquidos de impostos, é justificado por três factores: primeiro, a queda nos juros com que os banqueiros pagam os depósitos a prazo detidos pelas famílias. Depois, segundo factor, "a dissipação do efeito de antecipação de reembolsos de IRS, que se verificou no segundo trimestre". Por fim, as remessas de emigrantes - que ajudam a compor o rendimentos de milhares de famílias, principalmente no interior do País - estão em queda, "reflectindo a conjuntura de crise internacional".

Apesar da contracção dos rendimentos, a capacidade dos portugueses em amealhar dinheiro não foi muito afectada. Em cada 100 euros limpos de impostos, os portugueses poupavam - no ano terminado no terceiro trimestre - 8,27 euros, só ligeiramente abaixo dos 8,56 euros registados no segundo trimestre do ano, mas já longe dos 6 euros "conseguidos" nos anteriores trimestres.

Para além das poupanças externas, são as famílias portuguesas que estão a financiar, através das poupanças, a actividade económica. É que as empresas - apesar de um decréscimo no investimento - continuavam a necessitar de capitais, com origem na banca e nos sócios, no valor equivalente a 7,4% do produto interno bruto (PIB). Necessitam de menos capitais alheios para financiar actividade - 8,6% do PIB no segundo semestre - mas foi a redução de impostos sobre os rendimentos (IRC) e a redução de prejuízos com participadas que evitou os empresários a endividarem-se ainda mais junto da banca.

Quem também está a consumir poupanças alheias, sem investir na economia, é o Estado, de acordo com os dados do INE. O disparo do défice orçamental, como resultado de quebras de receitas fiscais e de apoios à economia, obrigaram as administrações públicas a contratar pesados empréstimos à economia.

"A necessidade de financiamento acumulada nos três primeiros trimestres atingiu 8,6% do PIB", afirma o INE, quando em igual período de 2008 as necessidades de poupanças significavam apenas 2,1% da riqueza do País. O agravamento do défice "parece ter-se atenuado do segundo para o terceiro trimestre", mas à custa da "redução do investimento, já que a despesa de consumo final acelerou.