31.12.09

Famílias trabalhadoras com filhos vão ter novos apoios para sairem da pobreza

Por Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

Medida ainda está a ser ultimada, mas deverá marcar o Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social. "Mobilizar, mobilizar, mobilizar" é a palavra de ordem


Ninguém espera um milagre. Os tempos não estão para grandes optimismos, nota o padre Jardim Moreira, presidente da Rede Europeia Antipobreza/Portugal. Mas há que acreditar nalguns efeitos do Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social que aí vem. O presidente do Instituto de Segurança Social (ISS), Edmundo Martinho, aposta que o mais marcante será o nascimento de um complemento destinado a retirar da pobreza famílias trabalhadoras com filhos.

O tema foi sugerido à Comissão Europeia pela Rede Europeia. A organização reclamava uma avaliação da Estratégia de Lisboa, que prometia erradicar a pobreza e que "a União Europeia meteu na gaveta", acusa Jardim. Por coincidência, apanha a Europa - o mundo - numa crise económica e financeira.

Fernanda Rodrigues, coordenadora do Plano Nacional para a Inclusão, vê no ano europeu uma possibilidade de dar "mais visibilidade ao empobrecimento e à pobreza". E isso parece-lhe "uma condição primeira para consciencializar os cidadãos e para influenciar a agenda política".

"Isto é uma oportunidade única para Portugal assumir de vez o combate à pobreza como um grande objectivo nacional", diz Edmundo Martinho, que está a coordenar a elaboração do programa português - a apresentar no final de Janeiro ou no início de Fevereiro: o Europeu é-o a 21 de Janeiro (em Madrid, já que Espanha preside à União Europeia no primeiro semestre de 2010). Fala de actividades sociais, mas também de políticas públicas. Ao todo, serão investidos 700 mil euros para colocar o tema na ordem do dia e mobilizar a sociedade civil para o seu combate.

Menos pobreza infantil

Na opinião de Edmundo Martinho, algumas medidas previstas no programa de governo terão forte impacte. Atribui o "maior" ao complemento para famílias trabalhadoras com filhos para ajudá-las a sair da pobreza, cujas linhas orientadoras permanecem por desvendar - "está em fase de preparação". Além de estarem a ultimar o modelo, os serviços do ISS estão igualmente a terminar o levantamento do número de famílias que serão abrangidas.

O país tem a experiência do Complemento Solidário para Idosos: reduziu a pobreza entre maiores de 65. Este programa não deverá ser muito diferente, adianta o presidente do ISS, animado com a ideia de diminuir a pobreza entre menores de 18, sem saber dizer ainda se arrancará por fases ou em pleno.

"É importante que se tomem medidas que atenuem, de facto, a pobreza e os seus efeitos", comenta Lino Maia, presidente da Confederação de Instituições Particulares de Solidariedade Social. "É importante que se tomem medidas que envolvem os afectados pela pobreza, nomeadamente os beneficiários de Rendimento Social de Inserção, para que possam autonomizar-se."

"Acontece, muitas vezes, os pobres serem descendentes de pobres e delegarem a pobreza aos filhos", lembra o pároco. Tudo o que possa ajudar as crianças pobres a ter as mesmas oportunidades que as outras - desde logo, creche - afigura-se-lhe fundamental para interromper este ciclo.

Jardim Moreira coloca a tónica na necessidade de dar voz às pessoas que experienciam pobreza, de envolvê-las na solução dos seus problemas: "Temos uma política de subsídios e achamos que isso é que é a luta contra a pobreza. Isso é uma estratégia política e económica. Com esta avalanche de desemprego, Governos de toda a UE perceberam que tem de haver almofadas - subsídios, prolongamento de subsídios. Se não houver almofadas, haverá um mau estar que poderá ser incontrolável, que poderá degenerar em violência".

Mobilizar parceiros

Fernanda Rodrigues espera que o ano sirva para enfraquecer o estereótipo, formar uma imagem mais real. Até porque, com a crise, com o endividamento, terem alargado os grupos de vulneráveis, "cada um pode agora interpelar-se relativamente às causas da pobreza, do empobrecimento". No fundo, deseja ver a sociedade deixar de encarar o processo como algo "que só acontece a quem não se previne e encará-lo como algo que pode acontecer a qualquer um de nós". Há uma comissão nacional de acompanhamento a trabalhar num programa que Edmundo Martinho deseja transversal. O plano, que está a ser desenhado desde Novembro, passa por envolver todo o tipo de organizações e não apenas as que trabalham directamente as questões da pobreza e da exclusão social.

"Veja-se a distância a que tanta gente está de bens culturais. Também é preciso dar alguns passos nesse sentido", exemplifica. "Não somos uma agência de organização de eventos, mas queremos fazer algumas coisas marcantes, em parceria. Temos andado a contactar grupos económicos".

A palavra de ordem, salienta Edmundo Martinho, é "mobilização, mobilização, mobilização". "Para a sociedade perceber que a pobreza diz respeito a todos nós e assuma o compromisso de combatê-la. Não há razão para não sermos capazes de diminuí-la - nem a crise."