29.1.10

A crise voltou a baralhar as contas do Governo para a Segurança Social

Por João Ramos de Almeida, in Jornal Público

O Governo não esperava um impacto tão forte em 2009. O OE de 2010 revela a dimensão do erro. E resta saber se as contas não padecem do mesmo mal

Equilíbrio das contas da Segurança Social pago pelos beneficiários
Tributação de bónus aquece debate entre banca e Governo


O Orçamento do Estado (OE) de 2009 subavaliou fortemente o impacto da crise nas contas da Segurança Social. Quando o defendeu no Parlamento, no final de 2008, contra toda a oposição, o Governo esperava uma maior entrada de contribuições sociais, um gasto significativo com pensões e a manutenção da despesa com o desemprego. Na realidade, aconteceu o contrário.

A crise já sentida desde a segunda metade de 2008 aprofundou-se. Desde Janeiro de 2009, a subida do desemprego foi abrupta. Em linha com essa evolução, as contribuições para a Segurança Social abrandaram e os gastos com o desemprego subiram.

Olhando para os números disponibilizados pelo próprio Governo, o Estado gastou mais 465 milhões de euros com o desemprego do que os 1578,29 milhões orçamentados. Previa uma subida de 3,6 por cento dessas verbas face a 2008 e, afinal, gastou 2044,28 milhões de euros em 2009. Ou seja, mais 34 por cento.

De igual forma, a equipa do Ministério do Trabalho, liderada então por José António Vieira da Silva, defendeu que os gastos com os beneficiários do Rendimento Social de Inserção poderiam manter-se. Gastou-se 417 milhões de euros em 2008 e a previsão para 2009 era de 430,6 milhões, mais 3,2 por cento. Mas, no final de 2009, gastou 507,75 milhões de euros, mais 22 por cento do que o afectado em 2008.

Em concordância com este optimismo, o Governo alimentou a ideia de que as contribuições para a Segurança Social iriam crescer 5,6 por cento face a 2008. Mas, no final do ano, ficaram mesmo abaixo do cobrado em 2008 (menos 0,03 por cento).

Para os beneficiários, as promessas foram as inversas. O Estado iria gastar mais. Foi o caso dos pensionistas, que representam quase 60 por cento das despesas correntes da Segurança Social. O Governo previu uma despesa de 13.658 milhões de euros, ou seja, mais 6,3 por cento do que o pago em 2008. Mas, no final de 2009, tinha "poupado" 194,2 milhões de euros (mais 4,8 por cento face a 2008).

O mesmo aconteceu com as despesas para acção social. Anunciou-se uma subida de 10,4 por cento sobre os 1507 milhões gastos em 2008. Mas gastou-se um pouco menos de 48,5 milhões de euros, ou seja, um crescimento de 7,2 por cento face a 2008.

Redução de gastos sociais

Os erros de previsão em 2009 não foram, contudo, únicos nos últimos anos. A estratégia de elaboração orçamental corresponde, muitas vezes, a um exercício político de gestão de expectativas ou de subordinação dos números a um objectivo principal, como o do défice orçamental. Os gráficos ilustram a evolução dos desvios entre o previsto e o executado.

Entre 2002 e 2004, nos governos PSD/PP de Durão Barroso e Santana Lopes, subavaliou-se os gastos e sobrevalorizou-se a entrada de contribuições. Em resultado, os números pareciam bons na discussão orçamental, mas no final o défice da Segurança Social cresceu numa trajectória insustentável. A partir de 2005, a "estratégia" orçamental parece ter sido outra. Os números do OE subavaliaram as contribuições sociais e, desde 2006, começaram a sobredimensionar as despesas sociais.

Em parte, tal como já assinala o Tribunal de Contas nos seus pareceres sobre a Conta Geral do Estado, a evolução das despesas sociais - sobretudo com pensões e subsídio de desemprego - está relacionada com as alterações legais na actualização das pensões e na atribuição do subsídio de desemprego (ver caixa). Desde essa altura, a Segurança Social tem equilibrado as contas. Mas em parte graças a um menor gasto social, aquém do previsto.

Para 2010, há pequenas alterações. Primeiro, e apesar da crise, o Governo volta a apostar numa subida da cobrança de contribuições (2,4 por cento). Depois, volta a prever uma subida mais lenta das despesas sociais do que a verificada em 2009. Em terceiro lugar, se já prevê um abrandamento do custo das pensões abaixo mesmo do verificado em 2009, estima que o agravamento do desemprego esperado custará apenas mais 164 milhões de euros do que o despendido em 2009 (mais 8 por cento). No final de 2010, se verá.