28.1.10

Guerra humanitária no Haiti

João Francisco Guerreiro, in Jornal de Notícias

Correm, têm sete ou oito anos, acompanham o ritmo do camião das Nações Unidas: "Água!, água!", gritam num espanhol que nos soa a português. São os primeiros a tentar, mas não são os únicos.

"Hay possibilidade de tener uma botelha de água?". Desgastado pelo calor haitiano, Bodelaire Joseph tenta aproximar-se o mais possível da língua portuguesa para pedir o que precisa. Oferecer uma garrafa a este homem, torna-se demasiado perigoso. Sem água para as várias centenas de haitianos que se dirigiram ao acampamento instalado pelos portugueses, a dádiva pode ser fósforo em gasolina. Joseph agradece na mesma e afasta-se do camião branco das Nações Unidas.

Aqui vale a lei do mais forte. Há catanas em diversos locais. Em demasiadas mãos. Por agora, é a ajuda internacional que reúne mais força e ajuda a serenar os ânimos de uma população sem recursos. Em todos os locais de distribuição as filas crescem, serpenteiam, organizadas na estrada e nos passeios.

Jean Dor Ixma foi procurar um espaço numa das tendas azuis instaladas em Delmas 33. Perdeu tudo. A família e a habitação. Procura trabalho para recomeçar a vida. Por gratidão à ajuda prestada pelos portugueses, oferece-se como tradutor. Não pede dinheiro, quer apenas ajudar.

Ao mesmo tempo que agradecem o apoio humanitário, os haitianos criticam o Governo do seu país. Sentem-se traídos. Jacolino Fortunat procura água, para encher um bidão transparente. "O Governo do Haiti abandonou-nos", repete uma e outra vez. Conta que quer trabalhar, mas não faz nada. Já não fazia antes do terramoto. "Não há trabalho no Haiti", diz Jacolino. Ocupa-se agora com a manutenção das paredes da casa. Uma das que resistiu. Tem medo de um novo sismo. Dorme numa tenda improvisada com paus e panos.

"Há algumas pessoas que são do diabo, mas eu acredito em Deus. Há uma canção dominicana que diz que nós não somos muito importantes. Agora posso confirmar isso. Os corpos importam pouco. O importante é amar Deus", diz Jacolino Fortunat. "Estou duplamente contente porque acredito em Deus e porque vocês nos estão a ajudar".