23.1.10

Operações de busca cessam para acudir a mais de 600 mil desalojados

in RTP

"À excepção dos milagres, a esperança está a desvanecer-se", disse a porta-voz da Coordenação da Ajuda Humanitária da ONU


Dar abrigo e garantir bens de primeira necessidade e tratamento médico aos sobreviventes do sismo de 12 de Janeiro no Haiti é agora a prioridade da coordenação das missões humanitárias em curso, depois de o Governo do país ter dado por concluídas as operações de busca e salvamento. No coração de Port-au-Prince, perto de 609 mil pessoas procuram sobreviver sem um tecto.Operações de busca cessam para acudir a mais de 600 mil desalojados.

Os escombros da Catedral de Port-au-Prince tornaram-se este sábado o símbolo da dor que há 11 dias avassala os haitianos. Mais de um milhar de habitantes da capital rumaram às imediações das ruínas do templo, onde o Presidente René Préval, o arcebispo Bernadito Cleopas Auza, Núncio do Vaticano, e o arcebispo de Nova Iorque Timothy Dolan prestaram uma derradeira homenagem ao arcebispo da cidade e a um vigário, ambos mortos no sismo de 12 de Janeiro.

Pontuadas pelo som do choro incontido, as cerimónias fúnebres de Monsenhor Joseph Serge Miot e do vigário Charles Benoit transformaram-se num momento de luto por cada uma das dezenas de milhares de vítimas, como acabaria por assinalar o Núncio da Santa Sé: "Isto é para todos".

Quase duas semanas depois do terramoto de magnitude 7.0 na escala de Richter, que deixou o centro de Port-au-Prince reduzido a pilhas de escombros, as autoridades do país estimam em 111.499 o número de mortos, mas admitem que a contagem depressa ultrapasse os 200 mil.

"O número está longe de ser definitivo, porque a contagem dos mortos é bastante difícil. O número que foi dado é muito rigoroso e, sendo tão rigoroso, diz apenas respeito àqueles que puderam ser contabilizados. Em muitas valas comuns, não há uma contabilidade rigorosa. Há uma vala comum, por exemplo, que tem 100 mil mortos. Mas é uma estimativa das pessoas que foram para lá atiradas. E depois há também o problema daqueles muitos que se encontram debaixo dos escombros", relatou a partir de Port-au-Prince o enviado especial da RTP ao Haiti, José Rodrigues dos Santos.

Fim das operações de busca

Na sexta-feira foram resgatados com vida mais dois haitianos aprisionados em edifícios deitados por terra. Uma equipa israelita salvou Emmannuel Buso, de 21 anos, depois de ter sido chamada por membros da sua família. Após dez dias de encarceramento entre as ruínas de um prédio de dois andares, Buso ainda encontrou forças para responder aos chamamentos dos especialistas de Israel.

No mesmo dia, uma mulher de 84 anos foi resgatada aos escombros da sua casa. Os médicos, porém, afirmam que a sua situação clínica é crítica.

"A esperança começa agora a desaparecer, embora ainda possamos encontrar milagres". O lamento pertence à porta-voz do Gabinete de Coordenação da Ajuda Humanitária da ONU, Elisabeth Byrs, que anunciou este sábado a interrupção das operações desenvolvidas em Port-au-Prince pelas equipas de busca e salvamento, por decisão do Governo do Haiti.

"Isto não significa que o Governo vai ordenar-lhes que parem. Caso haja o mais pequeno sinal de vida, eles vão actuar. Mas, à excepção dos milagres, a esperança está a desvanecer-se, infelizmente", afirmou a porta-voz, em declarações à Associated Press.

Tratar dos vivos em dias de êxodo

Depois de terem sido resgatadas 132 pessoas aprisionadas em edifícios destruídos, a prioridade recai agora, segundo Elisabeth Byrs, sobre a distribuição de alimentos, tratamento médico e abrigos para os 609 mil desalojados que vivem há 11 dias nas ruas de Port-au-Prince, a maioria em acampamentos improvisados.

Calcula-se, por outro lado, que um total de 200 mil pessoas tenha já abandonado a capital do país, de acordo com os dados recolhidos pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. Antes do sismo, Port-au-Prince tinha uma massa populacional de dois milhões de pessoas. As Nações Unidas prevêem que até um milhão de haitianos possam deixar as cidades do país e rumar a regiões rurais onde a pobreza extrema é há muito o quadro vigente.

Na capital, onde o caos e o odor dos cadáveres são ainda perceptíveis, é também visível algum esforço de reconstrução e limpeza, como constatou a reportagem da RTP.

"Algumas ruas estão limpas. A maior parte não está. Em algumas zonas, há a tentativa de um regresso ao normal, as pessoas estão activas. Há pessoas a fazer a limpeza nas ruas, apesar do caos instalado. Isto está a acontecer um pouco por toda a cidade. Obviamente que os meios que aqui estamos a ver são muito limitados", descreveu o jornalista José Rodrigues dos Santos.

"Todo este processo de ajuda humanitária ao Haiti é uma história de sucesso. Pode haver dificuldades, mas o país não derivou para o caos total devido à ajuda internacional. Se não, a situação seria totalmente incomportável. Há muita coisa aqui no Haiti que é efeito do subdesenvolvimento. É um Estado falhado, onde a economia não funciona, onde habitualmente não há lei nem ordem e portanto muitas das coisas que vemos já existiam antes do terramoto. Às vezes é um pouco difícil fazer essa destrinça. Do que o Haiti precisa agora, para além dos medicamentos, que estão a chegar, e dos alimentos e da água potável, que estão também a chegar, é de desenvolvimento", concluiu o enviado especial da RTP.