25.1.10

Pergunta para queijo: é possível acabar com a pobreza no mundo?

por Ana Kotowicz,in iInformação

Há respostas para todos os gostos: melhores políticos, melhor educação, acabar com os ricos ou entregar o governo do país a Espanha


Se existe uma one million dollar question, é esta: como acabar com a pobreza no mundo? Reticências, hesitações, ou pedidos para ligar mais tarde de telemóveis que não voltam a atender fazem parte do rol de respostas ouvidas. Perante o desafio, é compreensível. José Gil, filósofo, é quem melhor resume o sentimento inicial: "É impossível responder. Implicaria a substituição total do sistema capitalista que hoje gere o planeta e ninguém sabe como fazê-lo. Andam todos os pensadores, todos os socialistas e toda a esquerda a ver se dizem qualquer coisa de novo e não sai nada."

Sem abandonar a discussão com voto de vencido, o ensaísta que, em 2004, discorreu sobre o medo de existir português arrisca uma solução. "A resposta óbvia é o microcrédito. Ao mesmo tempo, há uma absoluta necessidade - o pensar - uma exigência que é feita pelo estado do mundo." Depois da resistência, há a tentativa de contribuir para esta missão impossível. E as respostas dadas pelas 28 personalidades começam a desenhar um caminho - ter melhores políticos e maior de- senvolvimento económico. "A Europa precisa de grandes líderes, capazes de olhar para o mundo e tornar a Europa um espaço de mais unidade e fraternidade. As respostas passam antes de mais pela capacidade de liderança e decisão política", argumenta a ex-primeira-dama Maria Barroso, presidente da Fundação Pro Dignitate.

Jorge Sampaio, também ele socialista e residente do Palácio de Belém durante dez anos, prefere falar dos Objectivos de Desen-volvimento do Milénio - agenda adoptada em 2000, na Assembleia Geral da ONU, para melhorar os níveis de desenvolvimento humano num prazo de 25 anos. "Perante a crise actual e a escassez de recursos disponíveis no plano mundial, importa mais que nunca evitar a multiplicação de iniciativas, a criação de novas agendas e a dispersão dos recursos. A melhor forma de contribuir para reduzir os níveis de pobreza é reafirmar este compromisso e prosseguir, com empenho, com a aplicação desta agenda, cujas oito metas versam sobre direitos fundamentais."

Venham os espanhóis Irónica q. b. é a resposta de Victor Espadinha, músico e intérprete de "Palhaço até ao Fim" e "Tudo São Recordações". "Nós portugueses não sabemos governar e a única solução que eu vejo é uma brincadeira do [José] Saramago, mas que é verdade. Era alugar isto a Espanha e pôr aqui uma nova gerência, como se fosse uma loja. Minimizar o problema é adoptar o sistema dos países nórdicos. Conheço a Europa toda e na Dinamarca e na Suécia não se vê pobreza... Porquê? Lá os ministros andam de Smart, não em grandes bombas da Mercedes."

Ainda que alugar o território nacional aos políticos de Madrid pudesse, talvez, resolver o problema da pobreza portuguesa, não resolveria o da do mundo. Para essa - e mantendo a tónica na necessidade de melhores governos, Rui Rangel, juiz--desembargador, tem outra solução - políticos de mãos limpas. "A corrupção é um elemento gerador de pobreza, e para a combater precisamos de melhores políticos, que olhem para o mundo com melhor sentido de distribuição da riqueza." Depois era juntar a ideia do juiz-desembargador à da analista política iraniana Ghoncheh Tazmini - "maior cooperação internacional", "fomentar o diálogo entre as nações" e "criar elos de confiança" entre os governos - e espalhar esta nova classe política pelos vários cantos do globo.

Caridade versus cana de pesca Como em tudo na vida, também nas estratégias para acabar com a pobreza há várias escolas de pensamento - algumas antagónicas. Carlos Carvalhas e Odete Santos partilham a militância no PCP e acreditam na lógica de dar ao pobre a cana de pesca e não o peixe. Simone Oliveira e o xeque Munir, o líder da comunidade islâmica de Lisboa, depositam a sua fé na caridade. "Se todas as pessoas dessem uma coisa nas campanhas contra a pobreza nos supermercados, já era uma grande ajuda", acredita a actriz e cantora. A ideia é refutada pela ex-deputada comunista, que teve lugar cativo na bancada parlamentar do seu partido durante 26 anos: "A nível pessoal, não acredito no espírito caritativo. Prefiro a solidariedade à caridade."

A partir daqui o seu discurso é em tudo semelhante ao do economista que sucedeu a Álvaro Cunhal no cargo de secretário-geral do PCP. "Em Portugal, a grande mancha da pobreza resulta da má distribuição do rendimento nacional. Aliás, os baixos salários de hoje vão ser as baixas pensões de amanhã, o que é preocupante. A única forma de contornar o problema será melhorar a distribuição da riqueza, através de uma política fiscal mais justa e de uma melhoria dos salários e das reformas", defende Carvalhas.

Depois da curva, nova contracurva. Sendo islâmico, a resposta do xeque Munir teria de seguir em sentido único, já que um dos pilares da sua religião é a caridade. "O Alcorão tem um versículo que diz: 'Quando vier um pedinte não corra com ele.' Se todas as pessoas derem um contributo, é possível remover a pobreza."

Economia é a nossa salvação Acabar com a pobreza? A uma pergunta "muito, muito difícil", Miguel Beleza atira uma "solução imediata" - promover e estimular um crescimento económico razoável. O economista, antigo governador do Banco de Portugal e ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva - que um dia considerou, durante uma entrevista a Mário Crespo, que o seu currículo é antes "um cadastro" -, defende ainda a importância de haver maior investimento do sector privado e impostos "não demasiado altos" para que ao crescer a economia diminua a pobreza.

São também apologistas de semelhante causa-efeito Maria José Morgado e Ester Mucznik. A primeira, procuradora-geral-adjunta do Ministério Público, é a mais pessimista. "Não há remédios mágicos a contrapor às fatalidades do mau funcionamento da economia. A pobreza existe em todos os países. A questão é o seu peso social e algumas respostas económicas e sociais no sentido de tentar diminuí-la. Talvez um Estado-providência actuante e não contemplativo pudesse enquadrar os desempregados e torná-los activos."

A segunda, vice-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa, mais optimista, acrescenta-lhe uma nuance. "Nos EUA, apesar de todos os problemas, há uma cultura muito interessante entre os empresários - que se sentem devedores de uma sociedade que os ajudou a enriquecer. Falta essa noção nas sociedades europeias, e em particular na portuguesa. No que toca à pobreza e ao apoio social, a tónica não deve estar somente no Estado. Todos temos responsabilidade social."

O caminho é educar O que têm em comum as respostas de uma ex-primeira-dama, um professor catedrático e um matemático? A educação e a preocupação com as crianças. Manuela Eanes, que hoje preside ao Instituto de Apoio à Criança, Gomes-Pedro e o professor do ISEG Nuno Crato afinam pelo mesmo diapasão: só educando se foge à pobreza, como argumenta este último. "Quando a escola é exigente, puxa pelos alunos, por todos, e não aceita sucessos fingidos. Neste caso, está a desempenhar um papel de facilitador da mobilidade social, que permite aos filhos das classes mais desfavorecidas ascenderem socialmente e ultrapassarem muitas limitações económicas de origem."

Se entre as 28 respostas se consegue encontrar alguma coerência, outras há que ficam isoladas. É o caso da sugestão dada pelo maestro Vitorino de Almeida. "O problema não está em haver ricos e pobres - isso sempre haverá -, mas sim em haver riquíssimos. Numa crise, aquele que perde metade dos tostões fica com meros tostões e o que perde metade dos milhões continua com milhões. No mundo há gastos inacreditáveis. No futebol, por exemplo. Tem de se acabar com eles. Acabando os riquíssimos acabam-se também os miseráveis."

Feitas as contas, a discussão termina como começou. Sem respostas milagrosa, como resume, de forma cáustica, Pedro Bidarra, publicitário: "As ideias geniais para combater a pobreza são praticamente impossíveis. Só me lembro de duas pessoas que o conseguiram: Jesus Cristo e Marx, e mesmo assim nem sempre bem sucedidos."

Com Clara Silva, Inês Cardoso, Joana Petiz, Mariana Pinheiro, Marta Cerqueira, Marta F. Reis, Pedro Candeias, Rosa Ramos, Rui Miguel Tovar e Rute Araújo