27.1.10

Pesca não dá nem para o pão

Fernando Basto e Hermana Cruz, in Jornal de Notícias

No Porto de Leixões, os pescadores da amêijoa garantem que estão sem trabalho e sem condições para sobreviver. Por isso, reclamam o apoio da Direcção-Geral das Pescas


Pescadores pedem ajuda para superar os prejuízos causados pelo mau tempo.

O mau tempo, o defeso, a escassez de subsídios e o baixo preço de venda da produção são alguns dos problemas que estão a afectar os pescadores. Ontem, os do arrasto da amêijoa protestaram em Matosinhos contra a falta de apoios e a miséria em que dizem viver.

A crise é transversal a todas as artes de pesca, mas afecta sobretudo as embarcações mais pequenas, como a pesca do cerco da sardinha e a do arrasto da amêijoa. Desde finais de Novembro que se conta pelos dedos os dias em que os pescadores de Matosinhos conseguiram ir ao mar, e são ainda mais escassas as vezes em que regressaram com peixe. Muitos tripulantes estão, desde então, quase sem receber salário e os armadores engrossam dívidas com a compra de gasóleo. A situação está a ficar sufocante. E já se falam em prejuízos à escala nacional na ordem dos dois milhões de euros.

Foi o desespero que levou, assim, os pescadores da pesca do arrasto da amêijoa a manifestarem, ontem, junto à Docapescas de matosinhos, o seu desagrado face à falta de apoios governamentais.

"Têm sido as marés vivas, os temporais, depois os períodos de amêijoa tóxica em que não podemos pescar. Quase não trabalhamos. Depois, quem nos compra o produto quer pouca quantidade e a preço muito baixo. Compram-nos o quilo da amêijoa a dois euros para vendê-la a seis!", explicou, ao JN, o armador António Cascão.

Segundo aquele pescador, os problemas arrastam-se desde 2006. "Isto já não dá para viver. Um tripulante ganha uns 200 euros por mês. Por isso, muito pessoal está a ir embora, preferem ir para o fundo de desemprego, sempre ganham mais", garantiu.

Menos 90 barcos em 15 anos

Ao todo, são cerca de 60 os pescadores que vivem do arrasto da amêijoa, desde a Figueira da Foz até Caminha. "Em 1995, havia uns 100 barcos. Hoje somos só dez", aponta António Cascão. Mas esse número pode vir a ser ainda menor. "Nem 70 dias por ano vamos ao mar, como havemos de viver assim?", interroga-se o armador.

Na doca, olhando para os barcos parados, os pescadores lamentavam a concorrência feita pelo produto congelado - "de qualidade bem inferior à nossa amêijoa", como realçaram - e o facto de a indústria conserveira não lhes comprar o pescado.

"Queremos que a Direcção-Geral das Pescas (DGP) nos ouça e olhe por nós", disseram, ameaçando com um protesto em Lisboa. Os pescadores reclamam a venda livre (sem obrigação do controlo veterinário) e que se altere a época de defeso (entre Maio e Junho). "Nessa altura, é que temos melhor produto para pesca", justificaram.

Sem vontade política

Os sindicatos partilham da ideia de que o Estado é que deve ser responsabilizado pela situação dos pescadores. "Não tem vontade política para resolver os problemas das pescas", acusa o sindicalista João Lopes, convicto de que os problemas começaram com a liberalização do mercado.

"O produto é vendido a cêntimos na doca e a euros no mercado. Se fosse pago o valor real, os pescadores não precisavam de se lamentar", sustentou o sindicalista, proponto ao Governo que canalize os apoios comunitários para a criação, em cada porto, de infra-estruturas de refrigeração, congelação e comercialização.