21.2.10

Crise provocou a maior quebra da década em horas de trabalho

Por João Ramos de Almeida, in Jornal Público

A redução do número de horários acima das 41 horas ocorreu nos serviços. A indústria contribuiu para a quebra do trabalho até 40 horas


Governo e IEFP prometem uma descida do desemprego desde 2008

Crise não significa apenas destruição de postos de trabalho, seguida da explosão do desemprego. A quebra da produção acaba por se repercutir também na actividade de quem "fica" na empresa. Os números oficiais revelam que, em 2009, se verificou a maior queda da década passada no número de horas semanais trabalhadas por cada trabalhador.

A redução dos horários médios de trabalho não é, porém, um tema exclusivo da crise económica. Os números estimados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), trabalhados pelo PÚBLICO, revelam que, ao longo da década de 90, se verificou uma diminuição gradual do número de horas semanais de trabalho por empregado. E essa foi uma trajectória constante, mesmo quando o número de empregados subiu até meados de 2008.

No primeiro trimestre de 1999, a semana média de trabalho dos 4,8 milhões de empregados era de 36h10. Um quarto deles laborava em média mais de 40 horas semanais. E 53 por cento tinha horários de trabalho entre 36 e 40 horas semanais. Havia ainda 9 por cento do total de trabalhadores com horários entre 31 e 35 horas semanais. E uma franja de 13 por cento dos trabalhadores que laborava menos de 30 horas semanais.

Passada uma década, no final de 2009 e em plena crise, a semana média de trabalho passou para 34h24. E a redução de quase duas horas semanais deveu-se sobremaneira à quebra gradual dos horários mais longos. Mas mesmo assim, segundo o Eurostat, o número de horas trabalhadas nos horários principais situa-se acima da média europeia.

O número de pessoas com horários superiores a 41 horas caiu de 25 para 17 por cento do total. Mas aumentou o peso dos horários de trabalho entre 36 e 40 horas - de 53 para 58 por cento do total - e entre 31 e 35 horas - de 9 para 12 por cento. Já os horários mais reduzidos mantiveram o seu peso.

Por outras palavras, se a redução de jornadas mais elevadas de trabalho pode ser uma tendência positiva, a década de 90 parece ter ficado marcada por uma degradação dos horários estáveis de trabalho. E 2009 foi um ano marcante. Foi um período em que a recessão nos mercados importadores fez parar a actividade portuguesa. Depois, verificou-se um forte movimento de reestruturação de grandes empresas e de multinacionais a operar em Portugal. Houve uma tendência para a consolidação das estruturas de pessoal, para o fecho de actividades produtivas e, ainda, para a "iberização" das reestruturações. Ou seja, as firmas multinacionais concentraram em solo espanhol as suas actividades principais e deixaram em Portugal apenas os departamentos responsáveis pela comercialização dos produtos, seja pela proximidade dos mercados, seja pela língua aí usada.

No mercado de trabalho, estes factos traduziram-se imediatamente na subida abrupta do desemprego. E por essa razão, deu-se uma forte contracção no total de horas trabalhadas. De um pico observado em Junho de 2008, com um valor aproximado de 182,4 milhões de horas semanais, passou-se para 173 milhões em pouco mais de ano e meio. Ou seja, uma quebra de cinco por cento.

Mais grave: essa redução de horas trabalhadas colocou o nível de tempo de trabalho abaixo do verificado em 1999.

O efeito da crise

Mas de que maneira se reflectiu esse movimento de reestruturação da actividade económica nos horários de trabalho das estruturas que continuaram a laborar em Portugal?

Os números do INE são claros. Em primeiro lugar, durante esse ano e meio, verificou-se a maior quebra na duração do trabalho semanal ocorrida em toda a década. Só no quarto trimestre de 2009 face ao mesmo período de 2008, as horas de trabalho semanal por trabalhador registaram uma quebra de 1,5 por cento.

Depois, essa redução foi visível sobretudo nas actividades industriais, ainda que tenha ocorrido na agricultura e nos serviços. É admissível que haja alguma relação com o recurso aos processos de redução ou paralização de actividade (lay-off). No final de 2009, havia 2000 empresas em lay-off, embora se desconheça quantos trabalhadores estavam abrangidos.

Em terceiro lugar, a quebra deu-se em todo o tipo de horários, mas sobretudo nos horários mais longos Desde o final de 2007 ao de 2009, cerca de 110 mil pessoas deixaram de ter horários de trabalho entre 35 e 40 horas semanais, um tipo de horário tipicamente industrial.

E desde o 3.º trimestre de 2008 até final de 2009, foram mais 85 mil pessoas que deixaram de ter habitualmente uma semana de trabalho superior a 41 horas, sobretudo praticada nos serviços.