22.2.10

"Hoje é a Grécia, amanhã pode ser outro país"

Por Luís Villalobos, em Atenas, in Jornal Público

A zona euro não está preparada para lidar com problemas como os da Grécia, avisa a ministra da Economia do país de quem se fala na Europa


Louka Katseli defende que deve ser dado tempo ao Governo para desenvolver o seu próprio programa de combate à crise, mas assinala que resolver os problemas orçamentais que a Grécia tem torna-se mais difícil quando se está sujeito a ataques especulativos no mercado da dívida pública. E por isso alerta: A zona euro, desde a sua criação, não desenvolveu uma instituição capaz de lidar com choques assimétricos."

A Grécia está a atravessar um momento histórico, crucial para o país?

Não há dúvida que estamos numa encruzilhada crucial, e que estamos no meio de um ciclone. Um ciclone que tem duas dimensões. A primeira é a necessidade - e estamos a fazer todos os esforços nesse sentido - de implementar um Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) que submetemos ao Parlamento grego e à União Europeia, e que foi aprovado no início deste mês. É um programa muito ambicioso, mas realista, que já estamos a implementar há dois meses e envolve cortes drásticos no défice orçamental [que está em 12,7 por cento do PIB], juntamente com reformas regulatórias para melhorar o modelo de governação no sector público e a implementação de um programa muito ambicioso de investimento suportado pelo financiamento europeu.

E qual é a segunda dimensão?

Passa por conseguir os empréstimos necessários para cobrir as nossas responsabilidades junto dos mercados internacionais. Os mercados estão extremamente voláteis e estão a penalizar o Governo, com ataques especulativos, fazendo com que os spreads se situem acima do que seria de esperar e do que seria normal.

Considera que a Grécia está sob ataque?

Não há dúvida que tem havido um ataque especulativo contra as obrigações gregas, em que os hedge funds estão a vender curto as obrigações gregas, sabendo que a Grécia terá de conseguir angariar dinheiro junto dos mercados internacionais. Na expectativa deste futuro pedido de empréstimos, estão a vender curto as obrigações gregas, fazendo subir os spreads, e, ao mesmo tempo, estão a colocar estas obrigações nos mercados internacionais.

Afirmou que o Governo tem um plano que irá ser eficaz para diminuir o défice orçamental. Mas terá de o provar até 16 de Março...

Acho que já o provámos, mas, no meu entender, Março é um calendário demasiado apertado. O que a União Europeia e a Comissão deviam entender é que, para um programa que foi aprovado há tão pouco tempo [cerca de duas semanas], os resultados não são imediatos. Não é possível verificar, em cerca de um mês, todas as mudanças que irão acontecer. O que a União Europeia e os restantes membros da zona euro deviam entender, e estou certa que o farão, é que há um grande empenho deste Governo para implementar de facto o PEC e que nos devem dar algum tempo, alguns meses, para poder apresentar, de facto, resultados.

O que vai então acontecer em Março?

Vai haver uma avaliação do que foi feito até essa data, e tenho a certeza, com base nas informações e no trabalho que estamos a produzir, que o programa irá ser desenvolvido sem necessidade de medidas adicionais.

Olhando para as medidas que estão a ser implementadas neste momento pelo seu Governo, qual é que destacaria como sendo a mais importante?

Para mim, as mais importantes são as que estão a ser menos faladas. Anunciámos, por exemplo, um corte nos preços dos produtos farmacêuticos, que são regulados, em 20 por cento, o que representa uma poupança de mil milhões de euros para os fundos de pensões públicos. Isto porque, pela primeira vez em dez anos, alterámos os preços de 6500 remédios que estão a circular no mercado e que não tinham sofrido alterações e actualizações, ao contrário do que sucedia nos outros países. E quem estava a beneficiar com isso eram as companhias farmacêuticas, enquanto a despesa era paga pelos fundos de pensões e pelos consumidores. Vamos também desenvolver um sistema de compras electrónico, algo que ainda não existe ao nível dos hospitais, da administração local e do sector público. Logo, não há um registo das despesas, que são muito mais elevadas do que deveriam ser.

Estão a esforçar-se por organizar...

Estamos a desenvolver a eficácia da governação, e isso é transversal a todos os ministérios. A Grécia, onde há muito mais pessoas com o seu próprio emprego do que nos outros países europeus, não desenvolveu as suas instituições e estruturas de governação ao mesmo nível da produção de riqueza, pelo que as reformas mais urgentes têm a ver com a regulação. E, para mim, estas serão as maiores reformas, que irão trazer enormes poupanças. Mais do que mexer ou congelar os salários.

Acha que conseguem explicar isso às pessoas que vos elegeram?

Em primeiro lugar, não estamos a ter um discurso diferente do que tínhamos quando fomos eleitos...

Não é isso que algumas pessoas dizem...

Quem?

Os sindicatos, por exemplo, que estão contra alterações como o aumento da idade de reforma...

A alteração da idade de reforma, que aumenta em dois anos, foi feita através de uma reorganização. A idade é de 65 e 67 anos, e isso não mudou. Mas havia muitas categorias especiais que se reformavam aos 40, 45 anos, e ao alterar isso, ao racionalizar, elevámos a média da reforma em dois anos. Isto já estava no nosso programa, não é nada de novo. A política fiscal também estava anunciada. O que é novo é o congelamento dos salários e o corte em dez por cento dos suplementos salariais. Porque no sector público o salário-base é pequeno, mas há depois complementos, pagamentos adicionais. O que se decidiu foi um corte, para quem ganha acima de um determinado nível, de dez por cento. Esta, sim, foi uma medida nova, extraordinária, feita a pensar neste ano.

Acha que este Governo vai recuperar a credibilidade que foi perdida?

A credibilidade não muda de um dia para o outro. Mas não nos podemos esquecer que em 2004, com os Jogos Olímpicos, a credibilidade grega estava muito elevada. Infelizmente, devido a falhas internas, causadas pelo Governo anterior, ela foi abalada. Agora, é um desafio para todos nós recuperá-la, seja a nível interno, seja a nível internacional. E o facto de a população ter votado em nós por uma maioria tão grande mostra que existe um largo consenso de que algo tem de mudar. Fomos eleitos para implementar essa mudança.

Sente que há uma falta de solidariedade por parte dos outros países europeus?

Não é uma questão de solidariedade, mas sim a verificação de que há uma fraqueza na zona euro. O caso grego veio demonstrar a falta de instituições apropriadas ao nível europeu. Hoje é a Grécia, amanhã pode ser outro país. A zona euro, desde a sua criação, não desenvolveu uma instituição capaz de lidar com choques assimétricos e ataques especulativos a um país membro do euro. O BCE não é um credor de último recurso, ao contrário da Fed. Esse tipo de problemas foram revelados por esta crise. Além disso, os EUA, a União Europeia e os países do G20 deviam ter sido muito mais ambiciosos no que toca a reformas financeiras a nível global, com regras sobre os mercados financeiros. Vão continuar a existir crises financeiras e ataques específicos a alguns países, especialmente os mais pequenos, como a Grécia, que não têm capacidade para lidar com estes desafios.

As crises são boas alturas para fazer mudanças. Acha que, além das questões que devem ser resolvidas na Grécia, também se devia aproveitar para mudar algo ao nível da União Europeia?

Espero que o caso grego sirva para a Europa lidar com as suas próprias falhas ao nível institucional. Uma das coisas que o BCE devia fazer era alargar, de forma automática, por um ano, as medidas que adoptaram para a crise. Porque, apesar do dinheiro injectado nos mercados, ainda há uma escassez de liquidez e deviam ter a flexibilidade de alargar as medidas de modo a facilitar os empréstimos aos bancos.

Mas parte da falta de liquidez não resulta do comportamento dos próprios bancos, e não da falta de injecção de capital por parte do BCE? E, por outro lado, não há o risco de causar inflação, algo que os alemães abominam?

A economia europeia ainda está numa recessão profunda, e, apesar das novas perspectivas de crescimento, muitos países europeus, com destaque para os do Sul, estão a enfrentar problemas sérios, nomeadamente ao nível do desemprego. E o BCE é uma instituição para todos os países da União Europeia.

Mas o bancos gregos não estão em boas condições?

Estão, mas é importante que assim se mantenham. Não nos podemos esquecer que o rating da República desceu e isso afectou também os bancos. Se o BCE mudar as regras que está a aplicar desde o início da crise, e voltar a não aceitar activos com ratings inferior a "A" [duas agências já atribuem um rating inferior a "A" à Grécia], então há um risco potencial para a angariação futura de capital por parte dos bancos gregos, causando ainda mais turbulência nos mercados e uma nova subida das taxas para a Grécia. Assim, devia haver um sinal claro por parte do BCE de que as medidas adoptadas até agora para combater a crise serão alargadas por, pelo menos, mais um ano.

E se isso não acontecer?

A União Europeia tem de pensar muito bem quais os mecanismos que devem existir para apoiar países que sofrem ataques especulativos.

A União Europeia diz que fará algo, mas não diz o quê.

Quanto maior for a indecisão, mais difícil será para os países da zona euro conseguirem empréstimos nos mercados internacionais. Deviam ser dados sinais claros e específicos.

Como é que vê a visita de responsáveis do BCE, da União Europeia e do FMI à Grécia? Sente que há uma vigilância especial?

Nós sabemos que estamos sob vigilância, tripartida, onde o FMI providencia assistência técnica. Não tenho qualquer tipo de problemas com essa questão, desde que nos seja dado o tempo necessário para implementar o nosso programa. A questão central é que o programa é muito mais díficil de implementar quando se é forçado a pedir empréstimos com taxas tão elevadas. Taxas essas que não reflectem o risco real, antes existem devido a pressões especulativas.

O ministro das Finanças afirmou que a Grécia era o Titanic. Afinal, este é um navio que pode ser levado a bom porto?

Acho que ele se queria referir a outra coisa. Não gosto de pensar na economia grega como sendo o Titanic, porque estou optimista sobre a economia grega. Este ministério está a desenvolver um programa de investimentos de dez mil milhões de euros, estamos a desenvolver reformas regulatórias, a usar os fundos comunitários de forma eficaz para reestruturar a base produtiva, para mobilizar o sector privado de modo a que haja investimentos na Grécia. Vamos simplificar questões administrativas e melhorar o investimento. Este ano vai ser um ano dífícil, mas espero que no final de 2010 e início de 2011 já seja possível vislumbrar o crescimento. Apesar dos problemas actuais, estou muito optimista.

Vão atacar a evasão fiscal?

Isso faz parte da reforma fiscal.

A questão é que se fala de corrupção a nível da administração fiscal...

Muitas das medidas levaram isso em consideração. A monitorização de pagamentos com cartões de crédito e de débito, de transacções, a abertura de contas profissionais em bancos são medidas que foram desenhadas precisamente para combater a evasão e fraude fiscal, e a corrupção.