24.2.10

Restaurar as finanças públicas pode levar 20 anos

Por José Manuel Rocha, in Jornal Público

Economista-chefe do Fundo Monetário Internacional muito pessimista sobre os processos de consolidação orçamental


Dia negro nas bolsas

O economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) traçou ontem um diagnóstico muito severo da situação financeira da zona euro. Olivier Blanchard afirmou que muitos países europeus, entre eles a Grécia, poderão levar duas décadas a equilibrar as finanças públicas e acrescentou que o esforço de consolidação será susceptível de exigir sacrifícios salariais.

Para acentuar a dimensão dramática do momento, o homem que precedeu Blanchard no FMI, o reputado economista de Harvard Kenneth Rogoff, afirmava em Tóquio que, no actual contexto económico, vários países desenvolvidos correm o risco de incumprimento, colocando na cesta das hipóteses os próprios Estados Unidos da América.

"O saneamento orçamental é mais fácil nos países que podem desvalorizar a sua moeda", afirmou Blanchard ao diário italiano La Repubblica. Nos países da zona euro, unidos pela mesma moeda, esse instrumento - a que Portugal recorreu várias vezes no passado - não é mais possível.

Por isso, o responsável do FMI sustenta que a via para a redução dos défices - que dispararam em contexto de forte depressão - vai ser "extremamente dolorosa". "Sacrifícios sobre os salários serão inevitáveis", avisa Blanchard, que considera que será muito difícil evitar o recurso a aumentos de impostos. Mesmo assim, sarar todas as feridas pode levar, em muito países, entre 10 e 20 anos, estimou o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional.

Paula Carvalho, economista do Banco BPI, concorda que o processo de ajustamento não será rápido. "O grande problema é a capacidade de crescimento dos países. A capacidade do sector privado para garantir níveis de crescimento que diminuam o peso da dívida". O caso português é complicado. "Temos problemas estruturais que não facilitam este caminho e a recuperação da nossa competitividade económica", afirmou ao PÚBLICO.

Paula Carvalho não acredita todavia que os Estados Unidos possam vir a enfrentar problemas de incumprimento. "Parece-me um receio excessivo, porque se trata de uma economia que tem vindo a surpreender, que evidencia uma flexibilidade que é fundamental para ultrapassar fases críticas como a actual."

Quanto a um processo de ajustamento feito à base de cortes nos salários, a economista do BPI diz que se trata de uma medida de último recurso, que podem produzir efeitos mediáticos, mas não constituem o caminho a longo prazo. "Será preciso res- taurar a competitividade externa e para tal são necessárias medidas em vários campos para que os salários reais cresçam menos do que a competitividade", defendeu Paula Carvalho.

Crescimento lento

Em Tóquio, Kenneth Rogoff afirmou-se também convencido de que o crescimento económico vai ser muito lento, mesmo nos países ricos. Os dados mais recentes comprovam-no. O terceiro trimestre do ano passado mostrou bons desempenhos na América e na Europa, mas nos últimos três meses de 2009 as economias entraram em estagnação.

Ontem, o governador do Banco de Inglaterra precisamente fez eco deste receio, ao afirmar que o maior entrave à recuperação económica do Reino Unido é a estagnação nos países que são os seus principais compradores - com a zona euro à frente. "A recuperação parou nos nossos principais parceiros", afirmou Mervin King.

As palavras do economista-chefe do FMI terão replicado no Terreiro do Paço, em Lisboa, onde a equipa do Ministério das Finanças ultima o Programa de Estabilidade e Crescimento que vai submeter a Bruxelas. O documento onde o Governo se compromete junto da Comissão Europeia com o elenco de medidas que considera essenciais para reduzir o défice das contas públicas e trazer o endividamento para níveis confortáveis até 2013.

Nas últimas semanas tem sido noticiado que, entre as medidas a submeter a Bruxelas, o executivo prepara-se para congelar os salários da função pública nos próximos três anos e para limitar o endividamento das empresas que gravitam na órbita do Estado.