24.3.10

Um quinto da população tem doença mental

Por Catarina Gomes, in Jornal Público

Pessoas com depressões chegam a levar cinco anos até iniciar o tratamento. A ansiedade é a perturbação mais frequente e as mulheres, os jovens e as pessoas sós os grupos mais afectados


Um em cada cinco portugueses sofre de perturbações psiquiátricas, apontam resultados preliminares do primeiro estudo que faz o retrato da saúde mental em Portugal. Em comparação com outros seis países europeus, Portugal é o que tem a prevalência mais alta, com números que só se aproximam dos Estados Unidos, "o país com maior prevalência de perturbações psiquiátricas no mundo", disse ontem o coordenador nacional de Saúde Mental, Caldas de Almeida, na apresentação do estudo, que decorreu na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.

"Portugal tem um padrão atípico em termos europeus", constatou o responsável. Isto porque as entrevistas realizadas em 2008 e 2009 na casa de 3849 portugueses (uma amostra representativa da população) revelam que 22,9 por cento manifestam um conjunto de sintomas que os colocam no âmbito da doença mental (no ano anterior ao inquérito) - um número que só se aproxima dos 26,3 por cento dos americanos.

A prevalência nacional está muito distante da de países do Sul da Europa - Espanha só tem 9,2 por cento e Itália 8,2 por cento - e mesmo assim longe dos dois países com prevalências maiores, como é o caso de França (18,4 por cento) e a Holanda (14,8 por cento), referem dados da investigação financiada pelas fundações para a Ciência e Tecnologia, Champalimaud, Gulbenkian e pelo Alto Comissariado para a Saúde.



Anos para pedir ajuda

No topo dos problemas estão as perturbações de ansiedade (16,5 por cento), as perturbações depressivas (7,9 por cento), perturbações de controlo dos impulsos (3,5 por cento) e as relacionadas com o álcool (1,6 por cento). Caldas de Almeida refere que, apesar de se falar muito da depressão, as patologias ligadas à ansiedade são mais prevalecentes, como é o caso das perturbações de pânico, de ansiedade generalizada, fobias sociais (como o medo de alturas e de espaços fechados), stress pós-traumático e perturbação obsessivo-compulsiva.

O estudo constata que os mais afectados pela doença mental são as mulheres, os jovens dos 18 aos 24 anos e as pessoas mais sós (separados, viúvos e divorciados) e com níveis baixo e médio de literacia.

Questionada sobre o acesso aos serviços, a grande maioria dos que sofrem de perturbações não tem acesso a qualquer tratamento médico, mesmo tratando-se de problemas graves - neste grupo, 33,6 por cento não recebem tratamento.

Quando se sabe que um bom prognóstico depende da intervenção precoce, Caldas de Almeida notou que existe um grande período entre o início das queixas e o tratamento. Nas perturbações de ansiedade, só 12,7 por cento começam a tratar-se no ano do início das queixas, sendo o atraso tão grande que, por exemplo, na fobia social a mediana (número que separa a amostra ao meio) é de 18 anos, enquanto na perturbação de pânico é de dois anos. Nas doenças depressivas há mais pessoas a pedir ajuda no ano em que começam a ter manifestações (35,3 por cento) mas a mediana de tempo de espera até à ida aos serviços é de cinco anos. Já nas perturbações do álcool, só 2,1 por cento pede ajuda quando começa as queixas - e a mediana é de 29 anos.

Verifica-se que a maioria das pessoas com doença mental recorre sobretudo a clínicos gerais. Nas doenças mentais mais graves, há 47 por cento que dizem que o fizeram.