23.4.10

Em Portugal só há um preso efectivo por tráfico humano

por Sónia Simões, in Diário de Notícias

A maior parte dos arguidos são condenados a penas suspensas e libertados. Há quatro presos preventivos


O Governo traçou há três anos um apertado plano de combate ao tráfico de seres humanos, mas nas cadeias portuguesas apenas um recluso cumpre pena efectiva por este crime. Os restantes quatro presos por tráfico humano estão em prisão preventiva enquanto aguardam julgamento.

Segundo dados fornecidos pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, o único recluso condenado a uma pena efectiva foi julgado ao abrigo da anterior lei penal (ver caixa), enquanto os outros quatro foram presos após a nova lei (2007) - que incluiu neste crime a exploração laboral, além da sexual.

As explicações para o escasso número de prisões efectivas podem ser várias. O crime de "tráfico de pessoas" é punível com pena de cadeia entre os três e os dez anos, podendo o juiz suspender todas as penas até cinco anos de prisão. Assim há condenados que escapam de uma pena atrás das grades.

Mais. Segundo o director nacional adjunto da Polícia Judiciária, Pedro do Carmo, "pode haver situações de especial complexidade cuja prova de todos os elementos seja difícil". Por consequência, os suspeitos acabam por ser detidos por outros crimes como sequestro, rapto ou até ofensas à integridade física. Engrossando as estatísticas deste tipo de crime.

A mesma posição é defendida por Joana Daniel Wrabetz, à frente do Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH) - criado em finais de 2008 para analisar e encontrar formas de luta. "São processos muito complicados. Nem todas as vítimas sinalizadas pelas autoridades são vítimas de tráfico humano, podem ter sido vítimas de lenocínio", explica.

Por exemplo, acrescenta, "uma cidadã brasileira vem para Portugal sabendo que vai trabalhar como prostituta, mas não sabe que vai ficar sem passaporte, contrair uma dívida que é obrigada a pagar, que vão ficar com grande parte do seu rendimento".

Em Portugal, diz Pedro do Carmo, a PJ já desmantelou várias redes que se dedicam à exploração sexual e/ou à exploração laboral. O Norte e Centro espelham essa realidade. "Nestas zonas temos tido casos de grupos que se dedicam a raptar ou, até, a convencer indivíduos para trabalhar em Portugal ou em Espanha", refere. Chegados ao local, os alegados trabalhadores são escravizados. Tiram- -lhes os passaportes, obrigam-nos a trabalhar de sol a sol e a dormir junto dos animais.

As vítimas são normalmente oriundas de meios socioeconómicos mais vulneráveis. Algumas sofrem de perturbação mental. A vulnerabilidade é também comum nas vítimas de exploração sexual. "Por vezes são imigrantes em situação clandestina, que não se queixam por medo", refere.

Segundo os dados do OTSH, que serão publicados num relatório dentro de alguns dias, a maior parte das vítimas confirmadas são de nacionalidade brasileira, enquanto os agressores são portugueses. Nas formas de aliciamento das vítimas, destaca-se a aventura e o possível relacionamento, que Joana Daniel define como "lover boys", ou as propostas de trabalho enganadoras.