22.4.10

Imigrantes excluídos da compra de casas sociais

Por Filomena Fontes, in Jornal Público

A polémica rebentou em Famalicão com o BE a acusar a câmara de xenofobia, mas na única autarquia liderada pelo BE as regras são iguais


Um decreto-lei de 1976 abre campo à discriminação na atribuição de fogos sociais por parte das câmaras, restrigindo o concurso a cidadãos nacionais residentes no respectivo concelho. Por força desta lei, imigrantes que, tendo embora vínculo contratual de trabalho, residam na área dos municípios e paguem os seus impostos não podem concorrer, por exemplo, à compra de fogos a custos controlados, porque os regulamentos muncipais, plasmados em normas daquele decreto, o impedem. A polémica rebentou em Famalicão, com os bloquistas a acusarem a câmara local, de maioria PSD, de discriminação e xenofobia.

Indignado com as condições impostas pela autarquia num concurso para atribuição de casas a custos controlados, Pedro Soares, deputado bloquista eleito pelo círculo de Braga, denunciou "um grave atropelo" aos princípios de igualdade dos cidadãos consagrados pela Constituição. E prometeu agir. Sucede, porém, que as regras contestadas são também aplicadas na única câmara em que o Bloco de Esquerda está em maioria: Salvaterra de Magos. Aqui, como em Famalicão, os regulamentos municipais restringem as candidaturas à compra de habitações sociais "apenas a cidadãos nacionais". Às denúncias do BE, Armindo Costa, que preside à autarquia e foi eleito numa coligação PSD/CDS, respondeu desafiando directamente Francisco Louçã a "um pedido de desculpas". Para os dois concursos de Famalicão, as regras vão manter-se. A partir daqui os serviços jurídicos estudarão "uma alteração integradora".

Pedro Soares (BE), que diz desconhecer os regulamentos de Salvaterra de Magos, lamenta que o autarca de Famalicão "não queira emendar a mão". E agarra-se aos princípios. "Qualquer regulamento com estas características deve ser corrigido, seja em que câmara for. Não deve haver discriminação entre municípes em razão da sua origem ou raça", defende. Revela mesmo que já falou com o secretário de Estado da Administração Local, José Junqueiro, a este propósito e que este prometeu "intervir", por considerar "a situação inadmissível". Ao PÚBLICO, fonte do gabinete do secretário de Estado adiantou que o governante foi alertado para o assunto na passada terça-feira, tendo dado instruções aos serviços para obter informações junto do executivo camarário sobre as condições do concurso.

Em causa está uma norma do Decreto-Lei n.º 797, de 6 de Novembro de 1976, que define o regime de atribuição das habitações sociais e que confere apenas o direito a "cidadãos nacionais que não residam em habitação adequada à satisfação das necessidades do seu agregado e pretendam domiciliar-se na área de jurisdição do serviço municipal de habitação onde tiver sido aberto concurso".

Legislação caduca

Fernando Ruas, que preside à ANMP, escusou-se a comentar o caso em concreto, mas foi dizendo que os municípios se debatem no dia-a-dia com a obrigação de "cumprir" com a lei, da qual muitas vezes discordam. "Se a legislação vem de 1976, naturalmente que se justifica uma iniciativa do Governo ou mesmo parlamentar para a sua eventual correcção. A legislação pode estar caduca", ajuíza.

Em Famalicão, a polémica instalou-se por causa da abertura do concurso para a venda de habitações, aparcamentos e arrumos a custos controlados em duas urbanizações nas freguesias de Avidos e de Antas. A autarquia garante que nunca houve "registo de qualquer reclamação". "Os serviços municipais de habitação recordam apenas um caso de uma cidadã brasileira que não pôde concorrer por não ter garantia de crédito bancário. Mas nem sequer há registo", adiantou o assessor da presidência da câmara, refutando a acusação dos bloquistas locais de que teria sido já recusado o acesso a dois imigrantes que se teriam candidatado àquelas urbanizações. "Provem-no, digam os nomes, quem são, onde residem", contra-ataca. Repudiando as acusações de xenofobia, Ricardo Mendes, vice-presidente da Câmara de Famalicão, devolve-as "ao grupo parlamentar do BE, à Assembleia da República ou aos vários governos dos últimos 34 anos", sugerindo, assim, que se poderia ter já corrigido a legislação e que ninguém o fez. E mostra obra: "Nos últimos oito anos foram investidos 10 milhões de euros na construção e reabilitação de 500 casas sociais. Neste momento, num investimento de 2,7 milhões, estamos a construir 30 habitações sociais para cidadãos de etnia cigana, que vivem em barracas há mais de 30 anos."