28.4.10

Mais juros e desemprego e menos apoios sociais

Alexandra Figueira, in Jornal de Notícias

Dívida portuguesa voltou a estar ontem, quarta-feira, sob fogo. Levantada possibilidade de novos cortes


Juros a subir, mais desemprego e menos ajudas do Estado. Será este o panorama previsível para o futuro próximo de Portugal, ainda que o país evite entrar num sistema de "dívida explosiva". Podem estar em causa novas medidas de "aperto de cinto".

A Standard & Poor's reviu ontem a avaliação da dívida nacional de A+ para A-, a mais baixa de sempre, o que levou à imediata subida dos juros da dívida para um nível histórico. Provocou ainda a queda das bolsas e do euro. A agência entende que o Governo vai precisar de mais medidas de consolidação orçamental, admitindo a hipótese de um novo corte no rating.

"Como no passado, faremos o que for necessário para assegurar a eliminação do défice excessivo e para promover a competitividade da economia portuguesa", disse ontem o ministro das Finanças ao JN, reagindo àquela nota. Teixeira dos Santos não especificou de que medidas falava, mas Abel Fernandes, da Faculdade de Economia do Porto, admite que passem por mais cortes: em apoios sociais, como o subsídio de desemprego ou o rendimento social de inserção; em obras públicas, como o comboio de alta velocidade ou estradas; na própria máquina pública. Admite até que parte dos vencimentos dos funcionários do Estado seja paga em títulos de dívida, como aconteceu nos anos 80 e que seria, diz, "uma medida mais inteligente do que o corte de salários" decidido por exemplo pela Irlanda e, agora, pela Grécia.

Miguel Beleza, que já ocupou a pastas das Finanças, ainda espera que as medidas do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) sejam suficientes para convencer os mercados de que Portugal é um país de confiança. "Mas não excluo a possibilidade de serem precisas mais", disse.

Vários pontos do PEC têm ainda que ser aprovados pela Assembleia da República, um assunto que será discutido hoje entre os líderes dos dois principais partidos, José Sócrates e Passos Coelho. Em todo o caso, novos cortes no Estado deverão prejudicar a economia, levando a mais desemprego, diz Abel Fernandes.

Já o cenário de juros mais altos não está em dúvida, será apenas uma questão de tempo. Miguel Beleza não arrisca: "Dentro de um período de tempo, não muito largo, os bancos terão que pagar esta taxa de juro [a agora suportada pelo Estado], que depois farão repercutir no crédito concedido" a famílias e empresas. Ontem, a mesma agência baixou a nota dada à dívida de cinco bancos e da REN.

Para quem tem empréstimos, o efeito das subidas dos juros será sentido à medida que vai subindo a Euribor que, recorde-se, é uma taxa europeia e não exclusiva de Portugal (o Banco Central Europeu já admitiu subir as suas taxas directoras este ano). Ainda assim, é de esperar que a Banca continue a aumentar as comissões, como forma de subir receitas.

Já para quem vai fazer novos contratos, é de esperar que os bancos sejam cada vez mais exigentes nas condições impostas, emprestem menos dinheiro (em comparação com o valor da casa, por exemplo) e cobrem "spreads" mais altos.

Perigo de "dívida explosiva"

A atenção dada pelos mercados às contas de Portugal poderá ser exagerada, regressando a valores "normais" depois de algum tempo, espera Miguel Beleza.

Mas a decisão da Standard & Poor's em descer a nota da dívida nacional - que o presidente da República não quis comentar - pôs o dedo na ferida, entende Abel Fernandes: o crescimento da economia portuguesa será menor do que a subida dos juros a pagar, o que questiona a capacidade do país de, a prazo, cumprir os seus compromissos. "Estamos numa trajectória de dívida explosiva", disse.