28.4.10

Número de faltas de alunos é uma incógnita

Por Clara Viana e Graça Barbosa Ribeiro, in Jornal Público

"Um progresso absolutamente extraordinário", foi assim que José Sócrates classificou, há um ano, a redução do número de faltas dos alunos, agora desmentida pelo Governo


Ontem, Maria do Rosário Gama, directora da Escola Secundária Infanta D. Maria, em Coimbra, foi logo de manhã atraída para a proposta de alteração ao Estatuto do Aluno, aprovada pelo Governo na quinta-feira, devido a "uma notícia estranhíssima": "No ano passado, quando alguns de nós contrariámos os dados do ministério e afirmámos que as provas de recuperação tinham provocado o aumento de faltas, as nossas escolas foram alvo da inspecção; e agora é próprio ministério a confirmar o que na altura dissemos?!"

Só que, aparentemente, o Ministério da Educação não dispõe de uma contabilidade sobre as faltas dadas pelos alunos do ensino básico e secundário neste ano lectivo. Esta foi a informação transmitida em Abril passado. Também não dispõe de "dados consolidados" sobre as provas de recuperação, uma medida que não foi decidida pela actual equipa e sobre a qual não será feito um balanço, segundo informação transmitida meses antes.

O PÚBLICO tentou ontem saber junto do secretário de Estado da Educação, Alexandre Ventura, quais os dados que permitem agora a conclusão, contida na proposta de alteração ao Estatuto do Aluno aprovada pelo Governo, de que as provas de recuperação terão incentivado os alunos a faltar mais e contribuído para maior abandono escolar.

Facilitista ou punitiva?

O gabinete de imprensa transmitiu que o governante não falará à comunicação social antes do debate do projecto no Parlamento - estava agendado para hoje, mas foi desmarcado devido à greve dos funcionários parlamentares -, mas não corrigiu as informações que transmitira antes sobre a ausência de dados no que respeita às faltas e aos resultados das provas de recuperação e que foram lembradas pelo PÚBLICO neste pedido de esclarecimento a Alexandre Ventura.

Em Março do ano passado, o Ministério da Educação anunciou que, no primeiro período, o número de faltas caíra 22,5 por cento. Um feito que a então ministra Maria de Lurdes Rodrigues atribuiu ao facto de os alunos faltosos terem passado a ser obrigados a realizar provas de recuperação. "Um progresso absolutamente extraordinário", comentou na altura o primeiro-ministro, José Sócrates.

Com as provas acabou o chumbo automático por faltas, mas os alunos que não obtêm aproveitamento nestas podem ficar retidos por decisão do conselho de turma. Esta premissa não consta da proposta aprovada agora pelo Governo, que opta antes pela obrigatoriedade de aplicação de "medidas cautelares", como a realização de trabalhos na escola. No final de Março, a ministra da Educação, Isabel Alçada, já tinha anunciado que os alunos só chumbarão se revelarem insuficiências de aprendizagem, uma situação, aliás, recorrente entre os estudantes faltosos. "Sentimos que não devemos associar a ausência da escola à repetência", acrescentou.

Apesar de lhe dar razão quanto aos efeitos das provas de recuperação, a nova proposta do Governo volta a ser criticada por Rosário Gama. A dirigente escolar e militante socialista diz que "a montanha pariu um rato", na medida em que, alega, "se continua a promover uma cultura de facilitismo com o objectivo de promover o "sucesso" nas estatísticas a qualquer preço".

"Não faz sentido substituir as provas de recuperação por medidas de apoio pedagógico diferenciadas que já são aplicadas, nem continuar a proteger os alunos que faltam sistematicamente e de forma injustificada. De que serve suspendê-los se as faltas não contam para nada? Sei que isto não é politicamente correcto, mas os chumbos deviam voltar", defende.

Embora longe de defender a retenção dos alunos, Albino Almeida, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, também pensa que "a distinção entre faltas justificadas e injustificadas tem de ser consequente" e tenciona levar várias propostas nesse sentido à Assembleia da República, à qual apela para "que, desta vez, chegue a um consenso alargado em torno de um documento capaz de garantir estabilidade nas escolas".

Para já, os deputados fazem análises opostas: José Manuel Rodrigues, do PP, considera a proposta do Governo promotora do facilitismo, enquanto Ana Drago, do Bloco de Esquerda, e Rita Rato, do PCP, lamentam o sentido punitivo das alterações. Outros deputados, sindicalistas e professores contactados ainda não tinham lido a proposta.

Todos os partidos da oposição, à excepção dos Verdes, também entregaram projectos de alteração ao Estatuto do Aluno. Depois de serem votados na generalidade pelo Parlamento, o trabalho de costura entre eles competirá à comissão de Educação.


O que muda com o novo estatuto
Tempo de suspensão preventiva duplica e passa de cinco para dez dias


Os alunos que tenham ultrapassado o limite de faltas passarão a ser sujeitos a uma ou mais das agora chamadas "medidas cautelares". No actual estatuto, esta era uma possibilidade, não uma obrigação. À excepção da repreensão, as medidas são as mesmas que estão em vigor: ordem de saída da sala de aula, realização de tarefas, condicionamento no acesso a certos espaços e mudança de turma. Em substituição das provas de recuperação, prevê-se que "sempre que um aluno apresente excesso de faltas deve ser objecto de medidas de diferenciação pedagógica". Não está prevista a retenção dos alunos faltosos. No final de Março, a ministra Isabel Alçada já o tinha anunciado. É reintroduzido um artigo, revogado na lei de 2008, onde se explicitam o que são faltas injustificadas e se estipula que os pais devem ser informados sobre estas "no prazo máximo de três dias". Também devem ser chamados à escola quando o número de faltas for igual ao número de tempos lectivos e não ao dobro, como agora.



Medidas disciplinares

É duplicado o tempo durante o qual um estudante pode ser suspenso preventivamente, passando o prazo máximo de cinco para dez dias úteis. Ao contrário do que está actualmente fixado, esta medida poderá ser aplicada antes do momento da instauração do procedimento disciplinar. O encarregado de educação deve ser "imediatamente informado" sobre esta medida, a qual terá também que ser comunicada ao Ministério da Educação, que diligenciará "a prestação de apoio médico e psicológico adequado aos envolvidos e seus familiares". À excepção da transferência de escola, que continuará a ter de ser decidida pelo director regional de Educação, estabelece-se que é o director da escola "quem exerce o poder disciplinar". Não se prevê a convocação do conselho de turma disciplinar. As medidas disciplinares sancionatórias são as mesmas: repreensão registada, suspensão até dez dias e transferência de escola, que é a mais grave. É estabelecido um prazo máximo (20 dias), que não existia, para a conclusão do procedimento disciplinar. C.V.