25.4.10

Portugal tem novas armas para travar "fuga de cérebros"

Por Andrea Cunha Freitas, in Jornal Público

Novos institutos e programas estão a mudar a ciência. Os cientistas estão a aproveitar as oportunidades


As áreas tecnológicas de ponta estão a conseguir fixar investigadores em Portugal
"A vida corria-me bem nos Estados Unidos..."

Quando alguém está a fazer um doutoramento "lá fora" há uma pergunta que acaba sempre por surgir: "E vai voltar para Portugal?" Independentemente da resposta, os investigadores portugueses têm hoje mais hipóteses de regressar e ficar. Há uma nova realidade favorável a quem quer trabalhar na ciência em Portugal. Há mais institutos, acordos, programas e parcerias. A próxima questão é se, depois de atrair os investigadores, vamos conseguir mantê-los por cá.

Este mês, o ministro da Ciência e Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, gabou-se de governar uma área exemplar do país. Primeiro, num debate com investigadores portugueses radicados nos Estados Unidos defendeu que o país tem evitado de forma "exemplar" a "fuga de cérebros", ao mesmo tempo que se tornou importador de cientistas. "Portugal é o caso mais exemplar no pós-guerra, talvez o único, de grande desenvolvimento científico sem brain drain [fuga de cérebros], ou com pouquíssimo", disse Mariano Gago. "O número de pessoas da ciência fora de Portugal é insignificante." Porém, o ministro não referiu nem os números "insignificantes" nem os "exemplares". Um dia depois, em Paris, num seminário da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE), Gago insistia: Portugal "é visto como o exemplo a seguir".

Os desafios em aberto

O PÚBLICO pediu ao Ministério da Ciência números que permitissem concluir até que ponto temos evitado a "fuga de cérebros". Na resposta, entre outros dados, o ministério referia que, desde 1994 até 2008, a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) concedeu mais de 4500 bolsas de formação avançada no estrangeiro (incluindo bolsas de doutoramento e pós-doutoramento) e ainda mais de 4000 bolsas de doutoramento mistas, que implicam períodos de formação e de investigação em Portugal e no estrangeiro.

E quantos voltaram? "Os dados disponíveis de inquéritos a ex-bolseiros da FCT mostram que a esmagadora maioria desses ex-bolseiros desenvolve actividades em Portugal", refere apenas o ministério.

Assim, na ausência de números oficiais que mostrem de forma clara a relação entre os investigadores que saíram e os que voltaram, há sinais importantes. Vamos a exemplos. No Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, entre 1998 e 2010, dos 14 grupos de investigação (com líderes portugueses) que deixaram o ICG, 13 permaneceram em Portugal a fazer investigação. Na Fundação Champalimaud, os dados denúnciam a tendência do "querer ficar", com cada vez mais doutorados a permanecer em Portugal no final do projecto. "Estamos a ficar com falta de espaço", diz o norte-americano Zachary Mainen, coordenador do programa de neurociências da Champalimaud. No programa Fraunhofer Portugal, há 17 investigadores a trabalhar, todos portugueses. No Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia há lugar para as melhores 300 candidaturas e no primeiro parque português de biotecnologia, o Biocant (Cantanhede), há 150 investigadores e apenas cinco são estrangeiros.

Entre alguns dos responsáveis pela investigação que se faz em Portugal há consensos. Todos saúdam o salto no desenvolvimento da ciência no país e dizem que temos investigação de topo por cá. Um reflexo desse avanço é, por exemplo, o facto de muitos dos doutoramentos já se realizarem em Portugal. Por outro lado, reconhecem o papel determinante das bolsas da FCT. A ligação com a indústria é importante para fixar recursos qualificados, mas Portugal ainda está muito atrasado neste domínio. Pois, nem tudo são rosas. Exemplos? António Coutinho, do IGC, refere o financiamento irregular e a necessidade de fazer "uma poda" capaz de eliminar a investigação de má qualidade que tem sido apoiada em Portugal. O director do ICG também toca na ferida dos direitos dos bolseiros: "Se eu mandasse alguma coisa, a primeira coisa que eu mudaria era inseri-los na sociedade activa. É o mais urgente." Há ainda o problema do dinheiro quando comparamos um contrato de 100 mil euros por ano com a FCT com um acordo de um milhão e meio ou dois milhões de euros por três anos celebrado com o European Research Council. Porém, o responsável do centro lembra que liderou o primeiro programa doutoral no país (uma parceria com a FCT entre 1993 e 2000), que envolveu 101 pessoas e conclui: "Já voltaram 70." Por fim, sublinha: "Mas, mais do que se são portugueses ou não, interessa-nos que sejam bons e tenham o espírito de construir alguma coisa."

Boaventura Sousa Santos, director do Centro de Estudos Sociais, propõe transformar "as bolsas de pós-doutoramento em contratos junto das instituições" para estancar a fuga de cérebros. "Tenho tido vários colaboradores que, após vários anos de bolsas, acabam por concorrer, e ganhar, como reconhecimento da sua qualidade, posições em instituições de excelência no estrangeiro", nota. A FLAD, por seu lado, não está preocupada com a fuga de cérebros. "É bom termos gente a fazer ciência lá fora e que continuem a colaborar com as instituições em Portugal. O programa de bolsas que lançámos agora não é mais do que um incentivo a que isso aconteça mais", explica Paulo Zagalo e Melo, director da FLAD para Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação.

Além dos institutos, há novas portas de entrada, como os laboratórios associados e as parcerias do Governo com o Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT) e acordos com as universidades de Carnegie Mellon, Harvard e Austin. Porém, para quem fica fora destes "oásis" por vezes a única solução ainda é a fuga lá para fora. Rui Costa, um "cérebro" português que voltou recentemente, alerta: "Sim, estamos a conseguir atrair os investigadores. Mas será que os vamos manter?" Com Maria João Lopes e Teresa Firmino