26.4.10

"Tróia morre à fome à espera dos ricos"

por Roberto Dores, in Diário de Notícias

Falta comércio para segurar visitantes e muitas casas estão por vender. Moradores desesperam.

O empresário Paulo Rodrigues é o exemplo da desilusão que se abateu sobre os pequenos investidores da nova Tróia. O proprietário da "Explorar Caminhos", empresa de aluguer de bicicletas, já esteve tentado a fechar a loja de vez, depois de semanas a fio sem um só cliente. Mas a administração da Sonae lá o convenceu a arrepiar caminho, pelo que a medida de combate à crise foi menos cortante: a loja abre alguns fins-de-semana e durante os meses de Julho e Agosto.

O caso de Paulo Rodrigues espelha o marasmo que acorrentou o comércio no Tróia Resort por falta de clientes, cujo maior reflexo é a própria estagnação no mercado imobiliário, quando ainda faltam vender 60% das casas. O empresário de Santa Iria foi dos poucos que se deixou convencer a investir 130 mil euros num estabelecimento próximo da marina. Mas logo no mês em que abriu portas - Maio de 2009 - percebeu que o projecto que a Sonae lhe vendera estava longe da realidade que tinha pela frente.

"Isto está parado. Não há pessoas, não há dinamismo. É preciso conquistar mercado, mas sem espíritos abertos, Tróia nunca mais mexe", lamenta, entendendo, melhor do que ninguém, porque é que à sua volta as montras continuam cobertas, com um dístico a anunciar que "abre brevemente".

Sem clientes não há investimento na abertura de novos espaços, sem novos espaços não há capacidade para atrair clientes. Simples. O ciclo vicioso estende-se ao longo dos edifícios comerciais, naquela que é "sala de boas-vindas" da península, mas onde apenas um supermercado, uma óptica, uma papelaria e uma geladaria, que nem tem casa de banho, ousam manter as portas abertas.

Os dias de sol têm conferido algum (muito pouco) movimento, mas às primeiras nuvens Tróia transforma-se numa "aldeia-fantasma". "Ou isto se vira para atrair as pessoas de Setúbal e da Margem Sul durante todo o ano, ou se se está à espera dos ricos da Europa, Tróia morre à fome e mais vale irmos apanhar navalhas para o Sado", desabafa Carla Matos.

É a opinião de uma das moradoras, proprietária de várias bandas, que exibem placas com "vende-se ou aluga-se". Admite ter alimentado grande expectativa após a implosão das torres em 2005. "Pensava que iríamos começar a ver is- to cheio de gente, com várias actividades, mas é uma pobreza", diz.

Horácio Zagalo, que mora em Tróia há dois anos, apesar de ter ali casa desde 1988 e de ser proprietário de uma ourivesaria na Rua Augusta (Lisboa), não tem uma visão tão pessimista. Sim, também está desiludido, mas acredita que a terra a que se atreve a chamar "sua" há-de viver dias melhores. "Se houvesse uns restaurantes mais em conta, mais cafés, mais animação, isto melhorava logo, porque conseguia atrair gente", justifica. Conta, que o casal de amigos que há dias foi à discoteca da península era o único na sala.

"Com esta realidade quem é que quer vir para cá?", questiona, enquanto caminha pelos novos espaços verdes que circundam edifícios de arquitectura moderna, courts de ténis, parques infantis e campos de futebol, exigindo aos promotores que partam à conquista de grupos estrangeiros que viabilizem o resort, havendo quem recorde os tempos áureos da Torralta em que só o restaurante do Bico das Lulas chegava a servir mais de mil almoços. Mesmo nos tempos em que o farnel ia bem aviado para a praia.

Memórias transversais aos três pescadores que se prepararam para apanhar o catamarã de regresso a Setúbal. Representa aqueles que se sentem cada vez mais à parte da península que conhecem desde sempre. Nem a meia dúzia de chocos apanhados com o palhaço [isco luminoso com vários anzóis] já justificam os quatro euros que custa o bilhete de ida e volta à procura de uma manhã à beira-mar. Manuel Rocha, António Santana e Aníbal Fuste lamentam que "se tenha gasto tanto dinheiro para complicar a vida aos pobres. Ainda hão-de acabar com isto, vai ver. Tróia nunca mais será a mesma."