19.5.10

Plano de austeridade ameaça arrastar-se para além do próximo ano

Por Ana Rita Faria e Isabel Arriaga e Cunha, in Jornal Público

Economistas duvidam de que as medidas sejam suficientes. Ministro das Finanças diz que medidas vão durar enquanto for preciso e não até final de 2010


Em menos de uma semana, o discurso mudou. Em vez de um ano e meio de aumento do IVA, de sobretaxa no IRS e taxa extraordinária sobre as empresas com lucros acima dos dois milhões de euros, as medidas de austeridade poderão agora prolongar-se "enquanto forem necessárias para assegurar que a redução do défice é sustentável e duradoura", diz o ministro das Finanças.

A afirmação de Teixeira dos Santos, feita ontem em Bruxelas, contrasta com a garantia dada pelo primeiro-ministro de que o novo pacote de consolidação orçamental duraria apenas até final de 2011. A aparente contradição não escapou ao PSD e o secretário-geral do partido, Miguel Relvas, exigiu já que o Governo esclareça qual o prazo em que as medidas estarão em vigor.

Contudo, quer haja ou não um prazo mais alargado para o pacote de austeridade, a dúvida permanece: será ele suficiente para que Portugal cumpra as metas do défice para os próximos anos? De acordo com alguns economistas contactados pelo PÚBLICO, as medidas de austeridade anunciadas pelo Governo podem não só fazer o país regressar a um crescimento económico negativo, como são insuficientes para que o país saia de 2011 com um défice de 4,6 por cento e de 2013 com um valor abaixo dos três por cento, o limite definido por Bruxelas. Poderá, pois, ser necessário apertar ainda mais o cinto, uma hipótese que o próprio Banco de Portugal já deixou em cima da mesa.

Num relatório divulgado anteontem, a instituição liderada por Vítor Constâncio defendia que as medidas de consolidação, "bem como outras que venham a revelar-se necessárias, deverão manter-se em vigor até a situação de défice excessivo ser corrigida de forma sustentável". Se isso implicar um défice abaixo dos três por cento (o limite de Bruxelas), o pacote de austeridade teria de manter-se até 2013, ano em que o Governo prevê um défice de 2,8 por cento.

Para o economista João Cravinho, dificilmente o Governo irá retirar as medidas de austeridade no final do próximo ano e poderá mesmo ter de lançar medidas adicionais de consolidação. Também o economista Miguel St Aubyn considera que "a mesma razão que leva a que agora sejam tomadas estas medidas justifica a sua manutenção em anos posteriores".

Segundo João Cravinho, é neste momento incerto se Portugal conseguirá atingir ou não as suas metas do défice, mas as perspectivas, pelo menos a curto prazo, não se afiguram boas". O antigo ministro do Planeamento no Governo de António Guterres prevê que, com o pacote de austeridade, o país entre em recessão nos últimos trimestres do ano.

Corte a fundo na despesa

Do mesmo modo, o economista José Reis considera que, se os impactos recessivos das medidas de austeridade forem muitos fortes,"pode não bastar um ano e meio" para que tenham o efeito pretendido de consolidação das finanças, "porque podemos estar no meio de um ciclo infernal de estagnação".

Também para o economista César das Neves "ano e meio não chega e até é possível que três anos também não" para atingir as metas do défice delineadas pelo Governo. Campos e Cunha, que foi ministro das Finanças no primeiro Governo de José Sócrates, vai mais longe e acredita mesmo que, em 2014, Portugal sofrerá "um novo pacote ainda mais severo".

"Mesmo que atinjamos a meta do défice em 2013, não vamos consegui-lo em 2014, porque as facturas das despesas com as concessões e as parcerias público-privadas (PPP) vão começar a chegar", avisa Campos e Cunha, um alerta que é também deixado por Eduardo Catroga.

Para o ministro das Finanças no Executivo de Cavaco Silva, as medidas de austeridade anunciadas não resolvem o problema. "Portugal precisava de ter seguido uma política como a da Irlanda ou da Grécia, com uma redução drástica da despesa pública", defende, adiantando que isso implicaria atacar em várias frentes: despesas com pessoal, prestações sociais, consumos intermédios, racionalização das estruturas da administração central, regional e local e eliminação de institutos públicos e empresas municipais.

Quem também apela à realização das "famigeradas reformas estruturais" é César das Neves. "Essas reformas (a única que foi parcialmente feita foi a da Segurança Social) são conhecidas, anunciadas, mas não realizadas por razões políticas", defende. "Não é difícil dizer o que é preciso mexer, o que é difícil é mexer e Sócrates não o fez com maioria absoluta e a economia a crescer", conclui.

"Medidas corajosas"

Há uma semana, o primeiro-ministro anunciou um plano de austeridade a aplicar a partir de 1 de Junho e com duração de um "ano e meio" para permitir a redução do défice orçamental de 9,4 por cento do PIB em 2009 para 7,3 por cento este ano (em vez dos 8,3 por cento previstos) e de novo para 4,6 por cento em 2011 (ver gráfico ao lado).

Esta aceleração da consolidação foi imposta pelos governos europeus a Portugal e Espanha, os dois países que, depois da Grécia, são considerados os mais vulneráveis da zona euro e que maiores preocupações suscitam aos investidores financeiros, o que por sua vez tem gerado vagas de ataques especulativos contra a solidez da moeda única.

Jean-Claude Juncker, ministro das Finanças do Luxemburgo que preside ao Eurogrupo, considerou na segunda-feira à noite que as medidas portuguesas e espanholas são "corajosas" e "indicam uma trajectória de ajustamento que nos dá satisfação". As medidas anunciadas pelos Governos português e espanhol serão agora examinadas em detalhe pela Comissão Europeia, antes de os ministros das Finanças da zona euro darem a sua posição final sobre as mesmas, na reunião de 7 e 8 de Junho. com Sofia Rodrigues