24.5.10

A pobreza existe

por António Figueiredo, in Setúbal em Rede

A pobreza existe e envergonha desenvergonhados políticos, por isso muito se faz para que seja reduzida a uma expressão menor. Os reformados com pensões de miséria, os desempregados de longa duração, os jovens que lutam pelo primeiro emprego, os deficientes, são o rosto da pobreza que cresce a ritmo assustador.

A vida hoje é uma autoestrada em que temos pouco tempo para sair dela e olharmos o mundo da pobreza. A vida moderna, os desafios materialitsas que se apresentam aos jovens empregados sobre a ilusão da perfeição profissional, levam-nos a não olhar para o próximo que sofre. Não fosse este o estigma da nova sociedade, deixariamos essa auto-estrada e, como o disse o Papa Bento XVI no encontro com as organizações da Pastoral Social a que tive a oportunidade de assistir, voltaríamos para a “prática da compaixão, voltada para os pobres, os doentes, os presos, os sós e desamparados, as pessoas com deficiência, as crianças e os idosos, os imigrantes, os desempregados e os sujeitos a carências que lhes pertubam a dignidade de pessoas livres“.

O distrito de Setúbal é marcado por sinais de profunda pobreza que se agrava nos últimos 20 anos e mais fortemente no decénio que agora acaba. Não falo da pobreza medida pelas estatísticas forjadas por governos irresponsáveis. Vivemos um país em que as medidas anti-crise têm sido paliativos para agravar as desigualdades sociais. Ao slogan da esquerda revolucionária de que “os ricos que paguem a crise“, esquerda em agonia, responde hoje o governo socialista com um conjunto de medidas em que alteram o slogan para “os pobres que paguem a crise“, tudo porque assim se combate o benefício fiscal concedido à Coca-Cola. Por vezes o silêncio é de ouro e o Primeiro-ministro muito teria a ganhar se alterasse a sua arrogância.

A ajuda aos excluídos restringe-se às instituições de solidariedade social, IPSS, Misericórdias, Mutualidades, ao mecenato social, que começa a ficar cansado por se cada vez mais difícil dar, conjunto de actividades sociais que surgem na literatura económica de 1830 designadas como economia social e, mais recentemente, em 1979 a que J. Delors chama terceiro sector, mas a que eu prefiro chamar sector solidário. Em Portugal temos cerca de 5.000 instituições solidárias e no distrito cerca de 200, "impelidas a buscar soluções para os pedidos numerosos e prementes de ajuda e amparo que nos dirigem os pobres e marginalizados da sociedade“, utilizando as palavras Bento XVI, porque elas exprimiram a realidade que se vive em Portugal e ditas com frontalidade para os políticos ouvirem, se não continuarem a fazer “ olheras de mouco “, como se diz na minha terra natal.

A sociedade perdeu o sentido de humanização, da prática da caridade, referindo-se mesmo com malidicência aos milhares de voluntários que dão do seu tempo vida às instituições da rede solidária como líderes servidores. O Papa deixou uma mensagem a todas as instituições sociais e à sociedade para que “tomados pela compaixão pelas multidões que pedem justiça e solidariedade, esforcemo-nos por dar respostas concretas e generosas“. A multidão que pede justiça e solidariedade, comer para cada refeição, respeito pela sua dignidade humana, é a multidão que não vimos daquela auto-estrada da vida a que me referi em expressão figurativa.

A pobreza existe mas a pressão exercida pela comunicação política constrói na sociedade ideias de avaliação negativa. Não vou negar que há pobres que tomam o pequeno-almoço num café e a maioria dos trabalhadores remediados o preparam em casa por razões de economia familiar. Não vou negar que as situações de subsídio-dependência permite a muitos pobres andar anos e anos sem trabalhar quando a maioria da população percorre quilómetros para chegar ao seu emprego. Não vou negar que no R.S.I. existem injustiças e oportunismos. Não vou negar que os responsáveis pela situação não são os pobres mas políticos sem noção do que é gerir e servir um país.

Se é necessário alterar o caminho que percorremos para ir de encontro aos pobres, Bento XVI desafia as instituições sociais para “seja clara a sua orientação de modo a assumirem uma identidade bem patente: na inspiração dos seus objectivos, na escolha dois seus recursos humanos, nos métodos de actuação, na qualidade dos seus serviços, na gestão séria e eficaz dos meios“. E continua o seu pensamento dizendo que “além da identidade e unida a ela, é conceder à actividade caritativa autonomia e independência da politica e das ideologias, ainda que em cooperação com organismos do Estado para atingir fins comuns“. O conceito de subsidariedade mas independência é a forma das instituições sociais estarem com a pobreza, porque esta existe. E se existe!