26.7.10

O desafio de retratar a pobreza em três minutos

Gina Pereira, in Jornal de Notícias

O desafio não era fácil, mas superou as expectativas dos promotores: num vídeo de três minutos, retratar a realidade da pobreza e exclusão social. Candidataram-se 80 projectos, só 57 foram admitidos a concurso. O vencedor quer partilhar o prémio com os protagonistas.

Foi pelo "desafio" que Diogo Pessoa de Andrade, 35 anos, decidiu participar no prémio "Micro Filmes para Macro Causas" promovido, no mês passado, exclusivamente através da internet, pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, em parceria com o Clube Português de Artes e Ideias e o portal Sapo. Com formação em documentário e a trabalhar como freelancer em multimedia - desde 2002 e sempre sem contrato - Diogo viu nesta iniciativa uma oportunidade para se manter activo, treinar a técnica e mostrar o seu trabalho.

O tema do concurso não lhe era, contudo, indiferente. O realizador - que só depois de formado em engenharia de máquinas marítimas decidiu enveredar pela paixão da imagem e do cinema - já esteve ligado a vários projectos de associativismo juvenil nas áreas do diálogo intercultural, direitos humanos e promoção da cidadania. E, embora nunca tivesse feito nenhum trabalho "tão local", sabia muito bem onde encontrar a realidade da pobreza e exclusão social, visto que anda diariamente a pé por Lisboa.
Com a ajuda de uma amiga, Maria do Mar Liz - com quem já tinha trabalhado e participado no "48 horas Film Project" -, Diogo dirigiu-se, um dia, a meio da tarde, para algumas das zonas mais procuradas pelos sem-abrigo e pelas pessoas que, tendo casa mas carteira vazia, encontram o pão para a boca na distribuição diária de alimentos.

Na cabeça tinha o guião do seu pequeno filme: explorar como o próprio regulamento do concurso era, à partida, um motivo de exclusão social. "Se uma pessoa que vive na rua quisesse participar, o que é que escrevia no item da morada?", disse, ao JN, explicando que o seu objectivo foi mostrar como coisas que hoje são tão banais para a maioria das pessoas - como ter um número de telefone de contacto ou acesso a um computador e à internet - para muita gente são ainda inacessíveis e até desconhecidas.

Diogo Pessoa de Andrade e Maria do Mar Liz estiveram, durante algumas horas, no Jardim Constantino e na zona dos Anjos - onde se situa a sopa dos pobres - e não tiveram dificuldade em encontrar quem aceitasse participar no vídeo. Os mais velhos não tinham qualquer pudor em mostrar a cara e dar o nome, os mais jovens eram mais reticentes à exposição, mas aceitavam participar. E houve até quem lhe tenha chegado a pedir trabalho.

Embora estivesse ciente da qualidade do seu vídeo - a que intitulou "Estou para aqui assim", a frase de uma das protagonistas com que termina o filme e que já tem mais de 2800 visualizações em videos.sapo.pt/mmcausas - foi com surpresa que Diogo recebeu a notícia de que tinha ganho o 1º prémio. "Achava que havia filmes com muito potencial", disse, reconhecendo que a o concurso teve o mérito de fazer circular na internet a mensagem do ano europeu. Agora vai partilhar parte do prémio e mostrar o vídeo aos protagonistas.