3.8.10

Artistas de circo recusam ser tratados como carenciados

por Carlos Diogo Santos, in Diário de Notícias

Ontem, era o dia previsto para o início da retirada dos bens, mas tudo está na mesma.

As rulotes dos artistas de circo ainda não saíram do parque de Carnide, em Lisboa, e os moradores prometem não desistir dos seus "direitos". Gonçalo da Câmara Pereira, deputado municipal do Partido Popular Monárquico (PPM), esteve ontem - dia previsto para o início da retirada coerciva dos bens dos artistas - no local e diz que o que está em causa é a cultura e não um caso típico de realojamento.

À entrada, um aglomerado de pessoas ligadas ao circo parece querer substituir o segurança que a câmara ali manteve durante vários anos. Desta vez não é para controlar os ladrões ou os mal-intencionados, mas sim a polícia municipal. Embora as autoridades ainda não tenham dado início aos trabalhos previstos para ontem.

Sedentos de conversa e cheios de papéis, justificam-se a quem ali entra. "Estas pessoas são livres e têm de ser respeitadas, tal como são os ciganos", avança, irritado, Gonçalo da Câmara Pereira.

Em frente à porta do recinto, várias lonas escondem as habitações. Parecem barracas. O deputado do PPM não hesita em afirmar que foi a Câmara de Lisboa a responsável pela "degradação". "Abandonaram isto de propósito para agora poderem dizer que não há condições e mandar embora todas estas famílias", sublinhou.

"A doutora Helena Roseta disse--nos sexta-feira que quem não está bem deve pôr a CML em tribunal", afirmou Carla Mariani, residente, advertindo que "nos últimos dez anos o recinto foi invadido por estranhos, sem que a câmara se tivesse importado".

Actualmente, o parque já não oferece quaisquer condições, e os artistas dizem sabê-lo melhor que ninguém. Longe da porta, entre o emaranhado de rulotes - um esgoto ao ar livre. O cheiro e as moscas impedem que qualquer pessoa se aproxime. Ou pelo menos deviam. "Quando isto entope e eu tenho de entrar... fico com porcaria até ao pescoço", contou Eduardo Pereira explicando, no entanto, que não "troca a caravana por uma casa com menos condições". Este homem, que também se recusa a viver "preso a um sítio", refere que, apesar dos incómodos, gosta "de habitar a sua rulote".

Gonçalo da Câmara Pereira disse também não compreender o silêncio de Maria Gabriela Canavilhas, ministra da Cultura, e reiterou o total apoio ao circo tradicional. "Muitas vezes esquecem-se do verdadeiro circo, destas famílias cujo nome fala por elas: Mariani, Torralvo, etc... Estes são os artistas, não são os do Soleil, aquele circo gay", referiu o deputado criticando o facto de "haver artistas de primeira, como os do teatro, sindicalizados e ligados ao regime, e os de segunda, como os do circo."

O também fadista garantiu ainda ao DN que "o final do parque de artistas de circo não passou de um negócio partidário. O PS (CML) dá um centro de saúde à Freguesia de Carnide (PC) e esta dá votos para que o PS consiga maioria absoluta na Assembleia Municipal".