1.8.10

"Era mau, vai ficar pior"

Por Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

O marido ainda não chegou do trabalho. Alzira está só com a filha mais nova. "Enquanto pude trabalhar, trabalhei. Gostava de trabalhar. Queria pintar a casa e tudo." Doenças com nomes estranhos dominam os seus dias. Sofre de dislipidemia, níveis anormais de lípidos no sangue. Sofre de depressão reactiva. Sofre de discopatia, alterações nos discos intervertebrais que lhe provocam dores. É portadora de hemangioma hepático, tumores benignos do fígado. E apareceram-lhe uns quistos na cabeça.

A empregada de limpeza deixou de trabalhar há quatro anos. Recebe 133,2 euros de Rendimento Social de Inserção - recebia um pouco mais quando tinha outra filha em casa, só que essa juntou-se a um rapaz de etnia cigana. "Há dois anos que não pago a alimentação na escola. Não posso pagar. A professora da minha filha, que passou agora para a 4.ª, sabe as dificuldades."

O marido, polidor de metais, entra no apartamento camarário. Junta-se à conversa que se desenrola em torno da mesa da sala. "Ganho 500 e tal euros. Para que chega? Às vezes, nem dá para os medicamentos. Há duas semanas, deu-lhe um ataque. Estava a ver que ela ficava de vez."

Recebem RSI há uns três anos - o abono atrasou-se, o marido deslocou-se à Segurança Social; a assistente social viu o rendimento da família, o tamanho do agregado e deu-lhe os impressos. Ainda não têm informação oficial, mas já viram na televisão. "Era mau, vai ficar pior", diz ela.

O Decreto-Lei n.º 70/10 considera todos os apoios públicos à habitação - pecuniários ou em espécie - com carácter regular. A Lei 46/85 criou um subsídio de renda que tem hoje o valor máximo de 46,36 euros. Agora, esse montante foi adaptado como valor do apoio público. No primeiro ano a receber RSI, conta-se um terço desse valor; no segundo ano, metade; no terceiro, tudo. Como Alzira está há oito anos nesta casa, vai ficar sem 46 euros.

O marido solta uma ânsia: "Eu gosto de trabalhar. Trabalho desde os 14 anos como polidor de metais. O meu pai já era polidor." Aos 47 anos, com o 4.º ano de escolaridade e tal experiência profissional, como vai aumentar o rendimento? Alzira solta uma ânsia: "Às vezes, não compro a medicação. Quantas vezes a minha filha quer um pacote de bolachas e eu não compro?..."