19.9.10

Grandes doadores como Alemanha, França e Itália estão a falhar com os compromissos assumidos e África é o continente mais prejudicado

Por Ana Rita Faria, in Jornal Público

A crise financeira e económica dos últimos dois anos afectou praticamente todo o mundo desenvolvido, mas foi sobretudo na Europa que a ajuda oficial do sector público ao desenvolvimento mais se ressentiu. No ano passado, os países ricos falharam em 26,1 mil milhões de dólares (cerca de 20 mil milhões de euros) com os compromissos que tinham assumido em 2005, na cimeira de Gleneagles. Este ano, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCE) estima que as metas não sejam novamente atingidas, negando outros 17 a 20 mil milhões de dólares (13 a 15 mil milhões de euros) aos países pobres.

Num relatório apresentado na semana passada, a Organização das Nações Unidas (ONU) alerta que este défice de fundos necessários ao combate à pobreza e melhoria da qualidade de vida está a pôr em causa a realização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. E deixa um apelo: os países ricos têm de recuperar o caminho perdido e aumentar a ajuda pública ao desenvolvimento (APD) em 35 mil milhões de dólares por ano até 2015, de modo a chegar a esse ano com um nível de 300 mil milhões.

A crise económica mundial parece ser a principal responsável pela retracção dos fluxos de ajuda que, ainda assim, aumentaram quase 30 por cento entre 2004 e 2009. Na cimeira de Gleneagles, há cinco anos, os membros do G8 tinham-se comprometido com três metas para 2010: aumentar a APD em 50 mil milhões de dólares, duplicar a sua ajuda a África para igual valor e chegar a este ano com um valor mínimo de ajuda face ao Rendimento Nacional Bruto de 0,51 por cento e, idealmente, 0,56. Nenhuma destas metas será, contudo, atingida este ano.

"Grandes doadores como a Alemanha, a França ou a Itália não estão a cumprir", disse ao PÚBLICO Iasmim Ahmad, que gere as bases de dados da APD na OCDE. A Alemanha, por exemplo, que já tinha descido a ajuda em 12 por cento no ano passado, volta este ano a ficar aquém das metas (ver gráficos à esquerda), enquanto a Itália é o país que sai pior na fotografia. Depois de, em 2009, ter já reduzido a ajuda em 31,1 por cento, a nação governada por Silvio Berlusconi não deverá respeitar este ano nem metade dos compromissos assumidos. Portugal não escapa ao rol de países que não cumprem as metas, devendo destinar apenas 608 milhões de euros dos 912 milhões prometidos.

Segundo Iasmim Ahmad, a África é a região mais prejudicada pela quebra das promessas de ajuda, já que dois dos maiores doadores do continente - a Alemanha e a França - não estão a cumprir com as metas estabelecidas. "O objectivo assumido em Gleneagles de duplicar a ajuda ao continente africano não será atingido este ano, havendo já actualmente um défice de 16 mil milhões de dólares", esclarece.

De acordo com a responsável da OCDE, a crise económica internacional ajuda a explicar este défice na ajuda, mas não é a única causa. Aliás, quando refez as suas projecções da APD para este ano, a OCDE contabilizou já o impacto da crise na redução do Rendimento Nacional Bruto, ajustando, consequentemente, em quatro mil milhões de dólares o valor de ajuda que, em 2005, se previa que os países ricos dessem aos pobres este ano. Dos 130 mil milhões inicialmente previstos, passou-se a apontar para cerca de 126 mil milhões de APD.

Contudo, desse bolo global, as nações pobres deverão receber apenas 108 mil milhões em 2010. "Embora a crise e a necessidade de consolidar as finanças públicas possam estar a levar alguns países europeus a limitar a ajuda, nem todos o estão a fazer, o que demonstra que está também em causa uma questão de vontade política", realça Iasmim Ahmad.

É o caso, por exemplo, do Reino Unido, que, apesar de ter enfrentando uma recessão e ter lançado um rigoroso plano de contenção das finanças públicas, resolveu ir além das metas de ajuda traçadas para este ano, "roubando" inclusive à Alemanha o título de maior doador na Europa, em valor global de APD. Do mesmo modo, os Estados Unidos, a braços com uma recuperação débil e um desemprego-recorde, mantiveram o compromisso de ajuda de 24,7 mil milhões de dólares, o que faz deste país o maior doador a nível mundial.