29.10.10

Pais contestam divulgar contas para manter abono

por Pedro Sousa Tavares, in Diário de Notícias
Confap critica exigência a famílias, avós incluídos, de confirmar se têm cem mil euros.


A Confederação Nacional das Associações de Pais está a receber muitas queixas de famílias que contestam a obrigação de revelar o valor que têm nas contas bancárias para manter os abonos. A Confap já "pediu aos serviços jurídicos" para aconselharem os pais na prova de recursos, na qual o "agregado familiar" tem de provar não ter bens móveis (capital ou acções em contas bancárias) acima de cem mil euros. Caso contrário, fica automaticamente sem abono para o próximo ano.

Em declarações ao DN, Albino Almeida, presidente da Confap, classificou as regras em vigor de "voyeurismo do Estado", criticando ainda o facto de, ao abrigo do novo conceito de "agregado familiar", ser também exigida informação sobre os bens, por exemplo, de avós das crianças apoiadas que vivam sob o mesmo tecto destas.

Contactado pelo DN, o Ministério do Trabalho e Segurança Social esclareceu que "aquando da realização" da prova de recursos "não é solicitado ao beneficiário qualquer documento comprovativo do seu património mobiliário (por exemplo extractos de contas bancárias) ou de outros elementos do agregado familiar". Ao que o DN apurou, o formulário em causa pede para indicar o valor dos bens. Mas a tutela mantém sempre o direito de aceder a essa informação, com a família a poder optar entre dar acesso às suas contas ou fazer prova dos bens que possui.

Albino Almeida insiste que se trata de "voyeurismo", questionando a legitimidade do Governo para "inspeccionar" e considerar todos os bens do agregado: "Uma família pode decidir acolher em casa um idoso que até tem um pé--de-meia, mas isso não significa que este queira dispor do seu dinheiro. E se tiver vários descendentes?", questiona. "Faz uma partilha em vida?"

Outro exemplo: "Um candidato à bolsa do ensino superior, com 18 anos, terá de assinar uma declaração em que se compromete com valores que lhe são comunicados por familiares. Se estes mentirem, incorre no crime de falsas declarações em co-autoria."

Críticas subscritas pelo fiscalista Tiago Guerreiro, que acusa o Governo "de pôr em causa "o direito à privacidade" e "a destruir princípio de família alargada, solidária entre si, que é fundamental na sociedade portuguesa", por comodismo. "O que deve fazer-se, quando há dúvidas, é investigá-las e agravar as penas para quem mente", defende. "O Governo optou pela solução mais fácil de penalizar todas as famílias."

"Trata-se de uma devassa sobre a vida das pessoas e, mais grave, sobre terceiros", subscreve Maria do Carmo Tavares, responsável para as questões sociais da CGTP, que aguarda "há algum tempo uma posição da Provedoria de Justiça sobre esta matéria".

Ao DN, Luís Silveira, presidente da Comissão Nacional de Protecção de Dados, confirmou ao DN aguardar também esclarecimentos "sobre aspectos da lei que não coincidem com a portaria" que a veio regulamentar, nomeadamente sobre o acesso a dados de terceiros. Entretanto, aconselhou as famílias "apresentar" queixas à comissão.