26.10.10

Quem perde direito ao abono de família?

Cristina Oliveira da Silva, in Económico

Cerca de 1,4 milhões de beneficiários já vão sentir os cortes no abono de família em Novembro.

Cerca de 1,4 milhões de beneficiários já vão sentir os cortes no abono de família em Novembro. As alterações, que geram uma poupança de 250 milhões de euros, pretendem dar uma ajuda à contenção das contas públicas mas também podem contribuir para o aumento da exposição das crianças à pobreza, alertam os especialistas.

"O efeito combinado das medidas anunciadas é podermos chegar, em quatro ou cinco anos, a uma situação que pareceria impossível há uma década: serem as crianças o grupo com maior risco de pobreza em Portugal", diz o ex-ministro Paulo Pedroso. Actualmente, os jovens já estão expostos a situações de pobreza, mas continuam aquém dos valores apresentados pelo grupo dos maiores de 75 anos, refere, utilizando dados do Eurostat.
Já os dados mais recentes do INE revelam que os jovens têm vindo a assumir um risco de pobreza cada vez maior (22,9%) ultrapassando já os maiores de 65 anos. Por outro lado, o risco de pobreza em famílias com crianças é de 20,6%, um valor acima da média. Mas pode chegar a 42,8% quando estão em causa dois adultos com três ou mais crianças.

A situação pode agravar-se, diz Pedroso. Em causa estão, nomeadamente, duas medidas ontem publicadas em Diário da República e que produzem efeitos em Novembro: o fim da majoração de 25% paga ao primeiro e segundo escalões do abono - que atinge cerca de um milhão de beneficiários -e a eliminação dos quarto e quinto escalões do abono, onde estão outros 383 mil beneficiários.

Mas os cortes no abono ainda serão mais acentuados se tivermos em conta as novas regras de acesso a prestações não contributivas, em vigor desde Agosto. Estas, aliás, também se aplicam ao rendimento mínimo (RSI) e ao subsídio social de desemprego o que também terá consequências no risco de pobreza das camadas mais jovens, salienta Paulo Pedroso. É que, só no caso do RSI, estão previstos cortes superiores a 20% na despesa (menos 100 milhões) e os dados oficiais garantem que, no primeiro semestre, 40% dos beneficiários tinha menos de 18 anos. Olhando para a composição das famílias, 28% eram agregados com filhos.

Cortes em contra ciclo com políticas de natalidade

O ex-ministro Bagão Félix também acredita que os cortes no abono contribuem para aumentar o risco de pobreza dos mais jovens, mas frisa que há outros problemas. As alterações anunciadas, que considera "lamentáveis", afectam famílias que, tendo um filho, ganhem pouco mais de 600 euros, diz o especialista. Sobre isto, Paulo Pedroso sublinha que "o pior cenário que se pode dar é o de que o Estado entende que ter filhos é uma indústria para famílias pobres".

Além disso, recorda Bagão Félix, os cortes, associados também à limitação das deduções e benefícios fiscais com despesas em educação, "esquecem uma visão estratégica que é fundamental para a sustentabilidade do próprio sistema" e que tem a ver com o estímulo à natalidade. Mesmo assumindo montantes baixos, o abono tem um valor simbólico em matéria de natalidade e os cortes acabam por dar um sinal contrário, garantem os especialistas.

Quem perde a prestação?

1. Famílias com um filho não podem exceder 1.257 euros
O rendimento de referência do abono calcula-se somando os rendimentos do agregado familiar e dividindo-os pelo número de crianças mais um (ver tabela ao lado). No caso de uma família com um filho (em que os cálculos são feitos como se existissem dois) os rendimentos do agregado não podem ultrapassar o tecto de 1.257,66 euros mensais (17.607 anuais).

2. Agregados com duas crianças têm tecto de 1.886 euros
Vão continuar a receber abono as famílias que, tendo dois filhos, não tenham rendimentos acima de 1.886,49 euros. Note-se que não conta apenas salário, mas também pensões, apoios à habitação, rendimentos de capitais ou prediais, etc. Uma família com um rendimento médio de mil euros está integrada no 2º escalão, continua a receber abono mas perde a majoração de 25%.

3. Famílias maiores podem ganhar até 2.515 euros
No caso de famílias com três filhos, o rendimento do agregado não pode exceder 2.515,32 euros, subindo para 3.144,15 euros para famílias com quatro filhos e para 3.772,98 euros caso existam cinco filhos. Uma família com três filhos a receber, em conjunto, até 838,4 euros fica integrada no primeiro escalão, passando para o segundo se tiver rendimentos entre aquele valor e 1.676,88 euros.