19.11.10

«Portugal tem uma justiça para ricos e outra para os pobres»

in Notícias Lusófonas

A afirmação é do Bastonário da Ordem dos Advogados, para quem a corrupção “é um problema gravíssimo e a mais nociva de todas é a que grassa na nossa classe política”


Em Portugal há “duas justiças, uma para ricos e outra para pobres”, disse o Bastonário da Ordem dos Advogados, notando que “não se pode confiar” num sistema que transmite para a sociedade esta “duplicidade”. Marinho Pinto (foto) referiu que as cadeias portuguesas estão cheias de pessoas sem meios financeiros para contratar advogados, ao passo que “o assalto a um banco de mais de quatro mil milhões de euros, que foi aquilo que o Estado já lá teve de meter” ainda não foi julgado disse numa alusão ao caso BPN.


Marinho Pinto, que concorre a um segundo mandato nas eleições marcadas para dia 26, falava num debate sobre o tema “Contextualizar a Pobreza no Âmbito do Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social”, integrado na Semana Social, organizada pela Câmara Municipal de Gondomar e relacionada com o Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social.

Em declarações antes do debate, Marinho Pinto salientou que “é preciso que as pessoas sem recursos tenham também acesso à justiça, é necessário investir no acesso ao Direito em Portugal e é necessário que o acesso ao Direito não seja o parente pobre da Justiça”.

Segundo garantiu, “a Ordem dos Advogados já deu um contributo muito sério para dignificar o apoio judiciário”, na medida em que “os pobres já não são defendidos por advogados estagiários, mas sim por advogados, o que foi um passo importante”. Agora, considerou, “é preciso que o Governo dê outro passo valorizando o apoio judiciário no contexto da administração da justiça”.

Perante as muitas dezenas de pessoas que quase lotaram o anfiteatro da Associação Comercial e Industrial de Gondomar, Marinho Pinto afirmou que a corrupção “é um problema gravíssimo” no nosso país e “a mais nociva de todas é a que grassa na nossa classe política”.

Outras frentes do bastonário

“O caso Mário Crespo não é um problema de liberdade de informação, mas (mais) um sintoma da degradação a que chegou a comunicação social”, afirmou Marinho Pinto num artigo de opinião (“A bufaria”) publicado no Jornal de Notícias em Fevereiro deste ano.

Ao contrário do que afirmou Marinho e Pinto, o caso Mário Crespo (um dos muitos da praça portuguesa) é mesmo um exemplo de falta de liberdade de opinião, embora o autor lhe chame de informação em abono da tese que pretendia levar a cabo.

E essa tese é a da degradação da comunicação social (na qual colabora assiduamente) que, reconheça-se, existe. É claro que quando a degradação serve para as causas de alguns advogados, chama-se informação. E é pena que as coisas mudem de nome consoante os interesses em jogo.

“Uma conversa privada do primeiro-ministro, num restaurante, sobre um jornalista que há anos o critica publicamente, é prontamente denunciada ao visado que logo tenta criar um escândalo político,” considera Marinho Pinto.

Essa de as figuras públicas terem em locais públicos conversas privadas só lembraria ao advogado Marinho e Pinto, embora não lembrassem ao jornalista (que foi) Marinho e Pinto.

É mais ou menos como os políticos que se deslocam pelo país com a mordomias da função mas que, quando apanhados em alguma situação menos regular, se apressam a dizer que ali estão como cidadãos e não como políticos.

“Sublinhe-se que ambos são figuras públicas com direito a terem, uma da outra, as opiniões que entenderem. Apenas com um senão: nem José Sócrates poderá usar os seus poderes de primeiro-ministro para perseguir o jornalista Mário Crespo, nem este deverá usar os meios de que dispõe como jornalista para perseguir o primeiro-ministro”, sustentava o bastonário.

Ao contrário do que agora defende Marinho Pinto, qualquer primeiro-ministro tem compromissos diferentes dos jornalistas. A estes o mais sagrado dos seus compromissos é com o que pensam ser a verdade, sobretudo (mas não só) quando em questão estão figuras públicas que devem ser paradigmas de honorabilidade.

Eu sei que quando um jornalista revela algo que desagrada ao poder isso é perseguição. Quando é o poder que revela algo contra o jornalista, isso é moralização da vida pública. Mas mesmo assim…

E Marinho Pinto continuava: “Porém, os jornalistas, em geral, julgam-se no direito de publicar as opiniões que quiserem (por mais ofensivas que sejam) sobre os governantes (mesmo violando as regras éticas do jornalismo), porque entendem que isso é direito de informar. Mas se os visados emitirem a mais leve opinião sobre esses jornalistas isso é um ataque à liberdade de informação.”

Tirando a linguagem panfletária de Marinho e Pinto (é o seu estilo e, por isso, respeitável), importa dizer que as opiniões, sejam do bastonário da Ordem dos Advogados, do jornalista ou do arrumador de carros, não se regem por regras éticas inerentes a cada uma das profissões. São opiniões pessoais e ponto final.

“O jornalismo português tem vindo a degradar-se por falta de referências éticas. Hoje, tudo vale para obter informações, incluindo o recurso a “bufos”. Nos tempos do Estado Novo usava-se esse termo para designar as pessoas que davam informações à polícia política sem que ninguém desconfiasse delas. Geralmente eram até da confiança das vítimas. Faziam delação às escondidas, por dinheiro ou simplesmente para tramar os visados. Agora continua-se a denunciar pessoas a quem as possa tramar. Os “bufos” são os informadores privilegiados dessa nova polícia de costumes em que se transformaram certos órgãos de informação de Lisboa”, escreveu Marinho Pinto.

Aqui ficámos mais descansado. Ao que parece, segundo Marinho e Pinto, os “bufos” (mesmo que entre aspas) só trabalham com certos órgãos de informação de Lisboa. Presumimos que todos os outros estejam fora desse saco.

É verdade que ao jornalismo faltam referências éticas. Mas se os jornalistas (neste caso não só os de Lisboa) vivem e trabalham numa sociedade sem referências éticas, sejam políticas, empresariais, judiciais ou outras, não é justo que se lhes exija o que não encontram noutras profissões.

“Há alguns anos, um político e professor universitário (Sousa Franco), por sinal meio surdo, conversava tranquilamente num restaurante. Numa mesa ao lado, uma jornalista (talvez disfarçada de costeleta de borrego) tomava notas da conversa, sem que os visados se apercebessem. Dias depois o teor da conversa era manchete num semanário de Lisboa”, contou o Bastonário no artigo então publicado.

Marinho e Pinto esquece-se (desde logo porque é matéria de facto capaz de abalar as suas teses) que se um jornalista (seja num restaurante, num jardim, num prostíbulo) não procura saber o que se passa é um imbecil. Tal como se esquece que se esse jornalista consegue saber o que se passa (seja num restaurante, num jardim, num prostíbulo) e se cala passa a ser um criminoso.

Marinho e Pinto sabe que por muito que uma mentira seja dita nunca chega a ser verdade. Mesmo assim vai tentando. Quem sabe se não pega. É pena. A privacidade de figuras públicas não tem lugar em lugares públicos. Se calhar é por isso que o Conselho de Ministro não é feito num restaurante.