26.12.10

Crise faz razia nos salários dos mais qualificados

por Luís Reis, in Diário de Notícias

Os salários dos profissionais por conta de outrem com qualificações mais elevadas foram dos mais penalizados pela crise que começou em 2007. A economia continua interessada em contratar este tipo de pessoas, só que as empresas e o sector público pagam cada vez pior, actualizando os respectivos ordenados abaixo da média nacional. Nos quadros superiores acontece algo parecido.

De acordo com os números dos quadros de pessoal dos sectores privado e público, divulgados pelo Ministério do Trabalho, entre 2007 e 2009, os profissionais altamente qualificados obtiveram uma actualização salarial média de 1,9% ao ano em termos nominais (isto é, sem descontar ainda a inflação). Estes trabalhadores por conta de outrem ganhavam, em 2009, 1420 euros brutos mensais, tendo beneficiado de uma subida nominal na ordem dos 0,9%. Pior só os chamados quadros médios, que tiveram uma subida de 0,33% nesse ano. Quando se olha em perspectiva para a crise, ou seja, desde 2007, a pior prestação acontece nos quadros superiores, que tiveram uma actualização média do salário na ordem dos 0,9% nestes últimos anos. O salário bruto total dos cargos de topo que trabalham por conta de outrem ronda 2485 euros mensais, tendo subido 1,7% entre 2008 e 2009. Por quadros superiores entende-se os cargos de gestão e de topo; as pessoas altamentente qualificadas podem ser as que exercem profissões ligadas às engenharias, educação, advocacias, medicinas, arquitectura.

Vários especialistas têm explicado este fenómeno da desvalorização salarial dos mais qualificados com duas tendências decorrentes da crise. A primeira deverá estar relacionada com a reforma da Administração Pública e com a tentativa de conter custos para controlar o défice. A contratação de professores e outros técnicos muito qualificados por ordenados mais baixos e em condições mais precárias (veja--se o caso dos avençados) tem sido referida; a segunda razão prende-se com a mudança do próprio tecido produtivo, que está a tornar-se mais sofisticado e absorve gradualmente as pessoas mais jovens, mas cujos contratos são menos rígidos, menos blindados em termos remuneratórios. A parcela correspondente à remuneração variável, por exemplo, tende a ser mais representativa do que nos contratos mais antigos, mostram estudos sobre este tema.

Fernando Neves de Almeida, sócio da Boyden Executive Search, uma empresa de recrutamento de altos quadros, explicou recentemente ao DN que a tendência de desvalorização salarial "terá sobretudo a ver com a função pública e com as medidas de contenção recentes", embora sublinhe que nos cargos de topo "a realidade é diferente". "Temos tido um reforço das remunerações, embora mais moderado que no passado", acrescenta. Joaquim Dionísio, responsável pelos estudos económicos da CGTP, diz que a desvalorização dos salários dos mais qualificados "reflecte a precariedade em que se encontram muitos desses profissionais, sobretudo os mais jovens". "Estamos a falar de tarefeiros e avençados que exercem cargos de responsabilidade e competência: professores, engenheiros, etc.", exemplifica.