27.12.10

Falta de organização e dependência do Estado explicam

in Página 1

Os sociólogos António Barreto e Boaventura Sousa Santos justificam, numa entrevista à agência Lusa, a aparente calma da sociedade portuguesa, num contexto de agravamento de crise e de escalada de violência em manifestações pela Europa, com a falta de tradição organizativa e excessiva dependência do Estado. “2010 é um ano de susto, em que os portugueses foram apanhados de surpresa. Um ano de medidas de austeridade
aplicadas gradualmente e que não tiveram um efeito pleno na vida dos portugueses, como tiveram em países como a Grécia, onde as medidas foram
particularmente drásticas”, afirmou Boaventura Sousa Santos. Além disso,
Portugal não tem tradição organizativa, considera o sociólogo de Coimbra,
lembrando que o país viveu metade do século XX sem democracia.

“É natural que algo aconteça a partir do momento em que estas medidas possam entrar não só no bolso, mas na cabeça das pessoas e estas percebam que estão a ser roubados para que o sistema fi nanceiro e os bancos
continuem a ganhar rios de dinheiro e a fazer disparar o consumo ostentatório que tem neste Natal um dos pontos mais altos desde 2008”, afirmou.

Sousa Santos acredita que as “coisas vão piorar” e que “se não houver inflexão, vai-se assistir a uma situação explosiva nos próximos anos”. Na opinião do sociólogo, Portugal não é dos países que “mais se ofendem, pois
viveu muito tempo com a mediocridade escondida do salazarismo”, e “não tem tanta percepção de justiça”, mas pode ser contagiado pelas mobilizações sociais na Europa, perante o desgaste dos direitos sociais. Resposta do poder político é determinante.

Para António Barreto, o problema de Portugal é a dependência do Estado e das organizações públicas. “Quanto maior a dependência, mais o receio de expressão livre e independente, sobretudo da expressão de contestação. Mas também este facto tem particularidades: recalcar a expressão crítica por causa de dependência pode conduzir a verdadeiras explosões, mais tardias, mas mais cruas ou violentas”, considera o sociólogo.

Durante este ano, o clima de contestação foi elevado, mas sob formas pacífi cas e institucionais, sublinhou Barreto, lembrando, contudo, que a situação se pode alterar. “Nem sempre a contestação é proporcional à dificuldade. Por exemplo, taxas elevadas de desemprego e até situações de fome ou carência podem coexistir com graus igualmente elevados de resignação”, afirmou, manifestando-se convicto de que no próximo ano se “desenvolverá muito signifi cativamente o descontentamento”. Na opinião do sociólogo, se o poder político não souber responder com clareza e se revelar instável e incoerente, as coisas podem agravar-se.