28.12.10

Mulheres dão a cara nos pedidos de ajuda a dívidas

por Céu Neves, in Diário de Notícias

São as mulheres que dão a cara quando se trata de pedir apoio para saldar dívidas. É a conclusão do Gabinete de Orientação do Endividamento dos Consumidores (GOEC) ao traçar o perfil dos utentes. São também elas que mais recorrem à Deco e às instituições de solidariedade social, por "organização familiar" ou "porque superam mais facilmente a vergonha".

Em 50% das situações são casais ou pessoas que vivem em união de facto que pedem ajuda, mas é a mulher que solicita apoio em nome do agregado, representando 58% dos utentes. Características traçadas pelos responsáveis do GOEC, que sublinham que as solicitações "têm aumentado de gravidade". Isto porque são cada vez mais as famílias com situações de sobreendividamento.

"A iniciativa pertence sempre ao lado feminino, o que pode ter uma explicação psicológica. Ambos os elementos do casal sentem vergonha quando procuram apoio numa situação de sobreendividamento, mas a mulher mais rapidamente consegue romper esse ciclo. E é a mulher que faz a gestão da casa", diz Catarina Frade, coordenadora do Observatório do Endividamento dos Consumidores.

Também Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar, diz que o sexo feminino está em maioria no pedido de cabazes de alimentos às instituições. "Tem mais que ver com a estrutura familiar. Também são as mulheres que vão buscar os filhos, é uma questão de organização familiar", justifica.

Catarina Frade especifica que os estudos do Observatório são sobre quem procuram o Gabinete de Apoio ao Sobreendividado (GAS) da Deco. Pessoas que já não conseguem pagar as dívidas e que pedem o apoio da associação para renegociação das mesmas.

Já o GOEC procura fornecer um "apoio técnico, profissional e documentado na gestão do orçamento familiar, assessorar e aconselhar as famílias no recurso ao crédito enquanto instrumento de gestão do orçamento e acompanhar a recuperação de situações familiares de pré-insolvência". O gabinete resulta de uma parceria entre a Direcção-Geral dos Consumidores e o Instituto Superior de Economia e Gestão.

No último semestre, receberam 280 novos processos, o que é mais do que o total do primeiro semestre - 265. Os consumidores que pedem apoio têm uma média etária de 44 anos e, em 39% dos casos, as suas idades situam-se entre os 35 e os 50 anos. Duas em cada cinco pessoas têm o 9.º ano de escolaridade ou habilitação inferior.

Outra das conclusões é que está a aumentar o rendimento do agregado familiar de quem pede apoio para gerir o orçamento. Quarenta e sete por cento das famílias têm mais de mil euros mensais, sendo que 16% ultrapassam os 1750 euros.

Na maioria dos casos (53%), os consumidores juntam à prestação mensal do empréstimo da habitação os créditos pessoais e os pagamentos dos cartões de crédito.

Aquelas famílias não estão numa situação de ruptura financeira, mas têm características muito próximas do perfil dos consumidores que recorrem à Deco. A maioria tem quatro ou mais créditos e um quinto tem oito ou mais prestações para pagar, sendo que a média são cinco. Até ao fim do mês de Novembro, mediaram dívidas de 2653 consumidores, mais 33 do que o verificado em igual período de 2009.

O salto maior no número de mediações realizadas pelo GAS deu-se em 2006 e 2007, passando de 905 para 1976. É nos contactos telefónicos que se sente uma maior presença feminina, já que, por norma, ambos os elementos do casal são chamados para encontrar soluções para o pagamento das dívidas.

"As senhoras são sempre as mais pobres e as que dão a cara. São quem mais recorre às instituições e não é só para pedir apoio social, são elas que vão às reuniões, por exemplo. Têm uma atitude diferente da dos homens", explica o padre Agostinho Jardim, responsável pela Rede Europeia Antipobreza.

O que é visível tanto nos dados do Gabinete de Orientação do Endividamento dos Consumidores como nos do Gabinete de Apoio aos Sobreendividados é o facto de estarem a aumentar os pedidos de apoio de utentes com rendimentos mais elevados. "O grupo das pessoas com rendimentos baixos está estabilizado e, actualmente, rivaliza com os que têm rendimentos por agregado familiar entre 1000 e 1500 euros mensais. Pessoas que tinham uma vida estabilizada e que uma situação de de- semprego se vêem impossibilitadas de as pagar", argumenta Catarina Frade.