25.12.10

O nosso Estado social

por Luís Cabral de Moncada, in iInformação

O desaparecimento da pobreza agora só pode resultar da economia social de mercado, e não do Estado social. O Estado deve desaparecer dos circuitos económicos

Foi necessária a crise económica e social em que todos estamos mergulhados e que está para durar para que a cabeça dura dos portugueses percebesse finalmente que do Estado social já nada há a esperar. As pessoas já perceberam que as pensões não vão subir, que os salários da função pública não vão aumentar, que os bons cuidados de saúde gratuitos vão desaparecer, que o ensino gratuito tem os dias contados, que os subsídios de desemprego vão baixar e que os impostos vão subir.

Até certa esquerda portuguesa percebeu hoje, depois de um esforço que demorou gerações, que o Estado social não pode continuar. O cortejo do défice orçamental de uma dívida pública monstruosa e do desemprego a crescer aí está e é uma sua consequência directa ou indirecta. Compreendeu finalmente que aquilo em que apostou sempre, ou seja, na erradicação da pobreza através do Estado só conduziu à mentira, à desilusão e ao empobrecimento geral. Mas foi preciso muito tempo para que se apercebesse de uma realidade para que vinha sendo alertada há muito.

O desaparecimento da pobreza só pode resultar agora da economia social de mercado, e não do Estado social. Isto significa que o Estado deve desaparecer dos circuitos económicos, privatizando tudo o que for possível privatizar e reduzindo despesas públicas e impostos de modo a aumentar o consumo e o investimento privados. Não nos iludamos; não é preciso adoptar novas "políticas" relativamente ao sector privado; o que é necessário é deixar de fazer política quanto ao sector privado, ou seja, deixá-lo entregue a ele próprio e crescer à vontade.

Claro que tudo isto contará com a desesperada oposição da clientela pública, designadamente da partidária, apostada no crescimento exponencial da despesa pública improdutiva geradora de bens não transaccionáveis no mercado e entrincheirada no Orçamento. A guerra contra tal gente levará gerações e o seu desfecho favorável não está garantido. A verdadeira luta de classes em Portugal é hoje a do sector privado produtivo contra um sector público improdutivo e gastador que vive à custa do primeiro através dos impostos, de modo a financiar-lhe as despesas públicas em contínuo crescimento, graças às quais vive e acumula poder. Para tanto há que mobilizar a sociedade civil, porque os animais rastejantes não se suicidam.

O facto de o mal estar diagnosticado é apenas o princípio. Resta combatê-lo, e não vai ser fácil. O sector público português, habituado a décadas de preguiça, de impunidade e de irresponsabilidade, apesar de certas operações cosméticas, não vai querer perder privilégios e a miserável segurança de que vive. A imprescindível reforma das mentalidades é quase uma causa perdida num país marcado por décadas de estatismo e de desconfiança e hostilidade ao sector privado, visto como o infame gerador de todos os males e de todas as desigualdades. O país privado e produtivo sem medo da concorrência e apostando no mercado global não convém a tal gente. Desequilibra o poder a que está habituado e gera uma realidade que é para ela insuportável. Pode lá imaginar-se uma classe empresarial independente dos favores do poder e geradora de riqueza! Uma classe que não produz clientela política e que não precisa dos partidos para nada cai mal num regime partidocrata como aquele em que vivemos, apostado no dirigismo partidário e na satisfação das clientelas através do Estado.

O problema português há muito que é o mesmo e reduz-se a uma palavra com seis letras: Estado, Estado a mais. Solucioná-lo apenas será possível através da criação de uma sociedade civil forte e independente, colocando o Estado na posição subsidiária em que deve estar e definindo claramente aquilo que pode e sobretudo que não pode fazer.

Deve começar-se por alterar claramente a Constituição nesse sentido, em vez de consagrar mais direitos sociais, ou seja, mais despesas públicas, ainda por cima irrealizáveis. Mas não basta. É necessário travar uma batalha ideológica em nome dos sãos princípios da autodeterminação individual, da responsabilidade e da eficiência. Só assim chegaremos lá.