20.2.11

A miséria da ditadura_Opinião

Por Dani Rodrik, in Jornal Público

Talvez a descoberta mais espantosa no recente Relatório de Desenvolvimento Humano do 20º aniversário da ONU seja o extraordinário desempenho dos países muçulmanos do Médio Oriente e do Norte de África. Temos a Tunísia, em sexto lugar entre 135 países em termos de melhoramento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ao longo das últimas quatro décadas, à frente da Malásia, de Hong Kong, do México, e da Índia. Não muito atrás ficou o Egipto, em 14º lugar.

O IDH é uma medida de desenvolvimento que avalia as realizações em saúde e educação, juntamente com o crescimento económico. O Egipto e (especialmente) a Tunísia tiveram um desempenho bastante razoável em termos de crescimento económico, mas onde, de facto, brilharam foi nestes indicadores mais alargados. A esperança de vida na Tunísia - 74 anos - ultrapassa a da Hungria e da Estónia, países com mais do dobro da riqueza. Cerca de 69 por cento das crianças egípcias frequentam a escola, um rácio semelhante ao da Malásia, que é um país muitíssimo mais rico. Foram, claramente, países que providenciaram serviços sociais ou distribuíram amplamente os benefícios do crescimento económico.

Todavia, no fim, isso pouco importou. O povo tunisino e o povo egípcio estavam, parafraseando Howard Beale, zangados como o diabo com os seus governos e não estavam dispostos a aguentar mais. Se Zine El Abidine Ben Ali da Tunísia, ou Hosni Mubarak do Egipto estavam à espera de popularidade política como recompensa pelos ganhos económicos, devem ter ficado amargamente desiludidos.

Uma lição a tirar do annus mirabilis árabe será, pois, que uma boa economia não significa necessariamente uma boa política; as duas podem seguir caminhos diferentes por bastante tempo. É verdade que os países ricos do mundo são, quase todos, democracias. Mas uma política democrática não é condição necessária nem suficiente para o desenvolvimento económico durante décadas.

Apesar dos melhoramentos económicos que registaram, a Tunísia, o Egipto e muitos outros países do Médio Oriente continuaram a ser países com regimes autoritários governados por um grupo de comparsas, com corrupção, clientelismo e nepotismo. A classificação destes países em termos de liberdades políticas e corrupção é marcadamente contrastante com a sua classificação em indicadores de desenvolvimento.

Na Tunísia a Freedom House relatou antes da Revolução do Jasmim: "As autoridades continuaram a hostilizar, deter e prender jornalistas e bloggers, activistas dos direitos humanos e opositores políticos." O Governo egípcio ficou em 111º lugar entre 180 países na análise de 2009 da Transparência Internacional sobre a corrupção.

E, claro, o oposto é também verdade: a Índia é democrática desde a sua independência, 1947, e, no entanto, o país só se libertou da sua "baixa taxa de crescimento hindu" nos anos de 1980.

Uma segunda lição a retirar é que um crescimento económico rápido não é por si só garante de estabilidade política, a não ser que se permita que as instituições políticas também se desenvolvam e amadureçam rapidamente. Na realidade, o próprio crescimento económico gera mobilização social e económica, uma das principais fontes de instabilidade política. Como disse o falecido cientista Samuel Huntington há mais de 40 anos, "a mudança social e económica, a urbanização, o aumento da literacia e da instrução, a industrialização, a expansão dos meios de comunicação social aumentam a consciência política, multiplicam as exigências políticas, alargam a participação política". Juntemos à equação as redes sociais, como o Twitter e o Facebook, e as forças desestabilizadoras que uma rápida mudança económica põe em movimento podem tornar-se esmagadoras. Essas forças tornam-se ainda mais fortes, quando o fosso entre a mobilização social e a qualidade das instituições políticas aumenta. Quando as instituições políticas de um país são fortes, respondem às exigências vindas de baixo com uma combinação de acomodação, resposta e representação. Quando não estão desenvolvidas, tentam calar essas exigências na esperança que elas deixem de existir - ou sejam "compradas" pelas melhorias económicas,

Os acontecimentos no Médio Oriente demonstram amplamente a fragilidade do segundo modelo. Os manifestantes na Tunísia e no Cairo não protestavam contra a falta de oportunidades económicas, nem contra maus serviços sociais. Manifestavam-se contra um regime político que consideravam insular, arbitrário e corrupto e que não lhes permitia ter voz. Um regime político que é capaz de lidar com estas pressões não tem de ser democrático no sentido que o termo tem no Ocidente. Podemos imaginar sistemas políticos capazes de dar resposta que não funcionam com eleições livres, nem com a liberdade de existência de outros partidos políticos. Há quem possa apontar Omã ou Singapura como exemplos de regimes ditatoriais duradouros a par de um rápido crescimento económico. Talvez. Mas o único tipo de sistema político que provou funcionar bem a longo praxo é o que está associado às democracias ocidentais. O que nos leva à China. No auge das manifestações de protesto egípcias, os chineses que surfavam na Web e que procuravam os termos "Egipto" ou "Cairo" recebiam mensagens a dizer que não foram encontrados resultados. É óbvio que o Governo chinês não queria que os seus cidadãos lessem sobre as manifestações egípcias e tivessem ideias. Tendo sempre na memória o movimento da Praça Tiananmen em 1989, os líderes chineses estão determinados a fazer com que isso não se repita.

Evidentemente que a China não é a Tunísia nem o Egipto. O Governo chinês experimentou a democracia a nível local e tentou, verdadeiramente, acabar com a corrupção. Ainda assim, os protestos aumentaram durante a última década. Houve 87.000 casos daquilo a que o Governo chama "súbitos incidentes de massas" em 2005, o último ano em que foram divulgadas estas estatísticas, o que faz crer que a taxa aumentou desde então.

A aposta da liderança chinesa é que uma rápida melhoria dos padrões de vida e oportunidades de emprego irá conter quaisquer tensões sociais e políticas. É por isso que a China está tão concentrada em atingir um crescimento económico anual de oito por cento ou mais - o número mágico que o Governo chinês crê pode conter o conflito social.

Mas o Egipto e a Tunísia acabaram de enviar à China e a outros países do mundo com regimes autoritários uma mensagem: não contem com o progresso económico para vos manter para sempre no poder.

Professor de Economia Política na Universidade de Harvard