26.3.11

Desemprego, austeridade e subida dos juros vão agravar cenário

Por Ana Rita Faria, in Público on-line

Desemprego, austeridade e subida dos juros vão agravar cenário
Só este ano já entraram em insolvência 1116 pessoas

Em Dezembro do ano passado, Manuela Alves (nome fictício) pediu ajuda ao Gabinete de Apoio ao Sobreendividado (GAS) da Associação de Defesa do Consumidor (Deco).
Tribunais declararam falidas mais 703 pessoas em relação ao mesmo período do ano passado

Estava decidida a declarar insolvência pessoal e queria saber como proceder. Ela e o marido, com um filho de 7 anos para criar, acumularam dívidas que ultrapassam 2000 euros por mês.

Têm dois créditos à habitação, dois cartões de crédito em que usam todo o plafond, 3000 euros de dívida de cartões, vários créditos pessoais (num total de 15 mil euros) e dívidas aos pais. A complicar a situação, a empresa de tecnologias de informação do marido está também com a corda ao pescoço, com dívidas à Segurança Social e às Finanças. Já entrou em processo de insolvência. Agora, é a vez da família Alves.

Aos 41 anos, Manuela viu-se no desemprego (era empregada de escritório na empresa falida do marido). Os 400 euros mensais que espera receber do subsídio de desemprego são o único rendimento a entrar em casa daqui para a frente. "Cheguei à conclusão que a única possibilidade de ter paz pessoal, familiar, social e legal é declarar insolvência. É a única solução para manter a sanidade mental e alguma dignidade", escrevia Manuela à Deco.

O seu caso está longe de ser isolado. Entre o dia 1 de Janeiro e o dia 18 de Março, 1116 pessoas foram declaradas insolventes nos tribunais. É quase o triplo do que em igual período do ano passado, altura em que foram registados 413 casos (ver gráfico). Os números são do Instituto Informador Comercial (IIC), uma consultora de gestão de crédito que faz o cálculo diário de insolvências de empresas e singulares, através dos despachos do Diário da República.

A figura legal da insolvência de pessoas singulares é, geralmente, o último recurso para os indivíduos e famílias sobreendividadas. E, como os casos de dívidas em excesso não param de aumentar, o número de insolvências também não. Tal como o PÚBLICO noticiou no domingo passado, o GAS da Deco abriu 600 processos de sobreendividamento nos dois primeiros meses do ano, mais uma centena do que em 2010. O número de pedidos de ajuda foi bastante superior - 2329 -, mas, na maioria destes casos, já não há solução a não ser declarar insolvência.

Num contexto de desemprego elevado, mais carga fiscal, aumento dos preços dos combustíveis e dos alimentos, cortes salariais na função pública e recessão económica, tudo aponta para que o número de insolvências de pessoas singulares seja, este ano, superior às 2924 registadas em 2010. Ainda para mais quando se perspectiva uma subida das taxas de juros. A Euribor, à qual está indexada a maioria dos empréstimos à habitação, tem estado a subir desde o final de 2010 e deverá subir ainda mais se o Banco Central Europeu (BCE) aumentar, já em Abril, as taxas de referência, para travar a inflação.

Para Luís M. Martins, advogado especialista em insolvência de pessoas singulares, o aumento das insolvências este ano é apenas "a ponta do icebergue". "Em média, os portugueses ganham 600 ou 700 euros, não dá para pagar uma renda ou um crédito à habitação, alimentar e educar os filhos. Por isso recorrem ao crédito", salienta.

Duas vias

Declarar insolvência pode parecer uma opção pelo fracasso mas, para os milhares de pessoas que a ela recorrem todos os anos, pode ser a última hipótese de recomeçar uma nova vida e evitar execuções totais dos bens ou bloqueios salariais. "Estas pessoas não têm qualquer margem de manobra, estão completamente endividadas", refere Luís M. Martins, destacando que não é um fenómeno que se compadeça com classes sociais, géneros ou profissões. "Tanto afecta pessoas que ganham 20 mil euros como 600", conclui.

Em vigor desde 2004, a lei que regula estas insolvências prevê duas situações. A primeira consiste em propor ao tribunal e aos credores um plano de pagamentos, em que o devedor se compromete a pagar um determinado montante, consoante os seus rendimentos, durante um certo período de tempo, dividindo-o por todos os credores. Isto implica que estes aceitem renegociar dívidas e prazos. Uma vez terminado o período de pagamento proposto, o devedor fica livre da dívida que reste.

Se o plano de pagamentos não for aprovado, o insolvente tem de recorrer a uma segunda via: a exoneração do passivo restante. Aqui, o devedor tem de entregar os bens ao tribunal e, durante cinco anos, pagará o que pode ou pode mesmo não pagar nada, se estiver desempregado. O juiz fixa um plano de pagamentos, determinando de quanto a pessoa ou família precisa para viver e quanto tem de pagar aos credores mensalmente. É nomeado um fiduciário, ou administrador de insolvência, que gere os rendimentos e "vigia" o insolvente, verificando, nomeadamente, se os seus rendimentos aumentam (se isso acontecer, é revisto o montante a pagar aos credores). No final dos cinco anos, o devedor fica livre das dívidas restantes.

De acordo com Luís M. Martins, os processos de insolvência de pessoas singulares são atípicos e têm resultados muito diferentes. "Há processos em que os insolventes propõem pagar 80 por cento da dívida e os credores recusam e outros que propõem pagar 10 por cento e é aceite", explica. No caso da família Pereira (nome fictício), o processo correu bem. O casal conseguiu aprovar um plano de pagamentos em que a sua dívida de 200 mil euros ficou reduzida a sete mil. Ficaram a pagar 100 euros por mês durante seis anos. Quando o processo chegar ao fim, terão a oportunidade de recomeçar uma nova vida.