24.8.11

Há mais 54 mil pessoas a ganharem salários inferiores a 600 euros

in Dinheiro Vivo

Há mais 54 mil trabalhadores por conta de outrem a ganharem salários inferiores a 600 euros, uma subida nunca vista no passado recente. O aumento deste grupo ajudou a reduzir o salário médio líquido dos portugueses, que baixou de 813 para 809 euros entre o primeiro e o segundo trimestre, revelou ontem o Instituto Nacional de Estatística (INE). Nunca tal tinha acontecido nesta época do ano.

A criação de empregos ‘mais baratos’ terá permitido, por exemplo, reduzir a taxa de desemprego, aliviando a intensidade do fenómeno entre os mais jovens e nas regiões mais estigmatizadas, como o Algarve.

No entender de alguns observadores, isto acontece porque estão reunidos os incentivos para desvalorizar a mão-de-obra, processo que, se tudo correr como previsto, acompanhará a diminuição do crédito bancário (limitando a procura e os novos investimentos), a menor dinâmica interna de criação de emprego e ajudará à desejada retoma pelas exportações. Salários mais baixos traduzem-se em margens maiores para os exportadores e numa economia mais competitiva, dizem os estudos.

Por exemplo, a descida da Taxa Social Única (TSU) planeada para 2012 deverá amplificar o processo de estagnação/redução de salários iniciado neste segundo trimestre, enquadrando-se na estratégia oficial de “desvalorização fiscal”.

“Se vencer a proposta preferida no estudo encomendado pelo Governo [redução transversal de 3,7 pontos da TSU em todas as empresas] não tenhamos dúvidas de que a tendência é para a maioria das empresas absorverem o desconto sem beneficiar os salários”, atira Manuel Caldeira Cabral, da Universidade do Minho.

O economista observa ainda que “há vários factores que concorrem para o fenómeno de desalavancagem salarial”. “Temos o efeito do empregos sazonais, ligados ao Verão, mas é mais do que isso. O fluxo de pessoas no mercado de trabalho é consistente com o ambiente de maiores dificuldades e de retracção no investimento. Para que se criem mais empregos nas empresas que concorrem lá fora é preciso disciplinar custos salariais. No caso das firmas que actuam só no mercado interno, estamos a falar de uma urgência em viabilizar os negócios”.

Filipe Charters de Azevedo, economista da PricewaterhouseCoopers, sublinha que “quando o desemprego está muito alto há mais incentivos a procurar emprego”. “As pessoas, querendo trabalhar, estão dispostas a aceitar um ordenado menor, também há aumento de desencorajados, pessoas que voltam a estudar, adultos que preferem ficar em casa a cuidar dos filhos ou alguns mais velhos que antecipam a reforma”, diz.

Caldeira Cabral lembra “os indivíduos cuja progressão salarial nos últimos dez anos foi boa, mas que agora, caindo no desemprego, estão aceitar trabalhos pior remunerados”.

Segundo o INE, que ontem divulgou o Inquérito ao Emprego, ao todo há quase 1,382 milhões de pessoas com ordenados inferiores a 600 euros, cerca de um terço do total de trabalhadores dependentes.

As regras mais apertadas do subsídio de desemprego e o crescente escrutínio nos apoios sociais também ajudam a baixar o valor das remunerações, à medida que as pessoas vão saltando de emprego em emprego. A contenção nos gastos em horas extraordinárias e nos prémios completam o leque de razões.