23.1.12

“Neste acordo não há nenhuma cláusula de paz social”

Cristina Oliveira da Silva, in Diário Económico

Em entrevista ao Diário Económico, João Proença considera que se a UGT ficasse de fora do acordo “as medidas seriam muito piores”.

Esta quarta-feira foi a assinatura do acordo tripartido e o João Proença já admitiu que este acordo tem alguma medidas lesivas para os trabalhadores.
Muitas mesmo...

Começava por perguntar-lhe porque é que assinou este acordo?
Porque se não assinasse o acordo as medidas seriam muito piores. É fundamental não ignorar que Portugal está hoje sob ajuda externa, que o anterior governo do PS assinou um memorando com a ‘troika' que este Governo pretende cumprir e até eventualmente ultrapassar, incluindo na área da desregulamentação laboral e, portanto, há que ter presente, medida a medida, se não houvesse acordo o que é que aconteceria nomeadamente para cumprir o memorando da ‘troika'. Na área do mercado de trabalho era muito pior. Segundo, porque é que assinamos o acordo? Porque é um acordo por que sempre nos batemos, primeiro cair a meia hora, porque a meia hora é completamente inaceitável. E quero dizer que só houve abertura à meia hora na parte final de Dezembro.

Até lá era adquirida?
Até lá era adquirida e havia uma intransigência para deixar cair a meia hora... e acabou hoje [quarta-feira] a discussão pública na Assembleia da República. A meia hora estava pronta para ser assinada. Até houve tentativas de nós cedermos nalguns pontos alterando a lei da meia hora. A UGT foi totalmente intransigente. E depois, a segunda questão: porque nos batemos sempre por um acordo para o crescimento e emprego, precisamos de medidas para além das medidas de redução do deficit e da redução da dívida externa. E sobretudo atender a que o memorando da ‘troika' vai causar maiores dificuldades a muitas famílias, vai agravar o problema da pobreza e da exclusão, vai diminuir o subsídio de desemprego, vai diminuir algumas prestações sociais, portanto precisamos de medidas de crescimento e emprego, que dêem resposta aos jovens e aos desempregados, particularmente aos trabalhadores mais idosos e aos trabalhadores de longa duração.

A assinatura da UGT acabou por ser uma tentativa de evitar que o Governo tivesse mais espaço de manobra para avançar nas medidas?
Sim, por um lado um acordo defensivo, ou seja, nós relativamente ao memorando temos a noção de que conseguimos travar algumas medidas, incluindo na área do direito à negociação colectiva. E também dizer que se não houvesse acordo e a meia hora fosse avante, a meia hora podia não ser aplicada em muitas empresas, mas haveria um clima generalizado de contestação social e isso seria muito prejudicial para o país e podia colocar-nos rapidamente numa situação próxima da da Grécia. Há que ter presente também isto, não só que é um acordo para o crescimento e emprego e que é um acordo que minimiza medidas na área do memorando - e que até vai contra algumas medidas do memorando - e também a questão que é fundamental, de não haver conflitualidade e haver um reforço do diálogo social e, espero, também do diálogo político e que crie melhores condições para sair da crise.

Acha por exemplo que as alterações que foram encontradas para substituir a meia hora - as reduções nas férias, feriados e pontes - são melhores para os trabalhadores, tendo em conta que os próprios empresários disseram que a meia hora não teria grandes efeitos práticos?
Repare: o que está a dizer, é totalmente falso. Não é as férias, feriados, faltas e pontes, elas iam claramente para a frente com a meia hora.

Não foi a moeda de troca? Qual foi a moeda de troca?
É evidente que também houve discussões, mas claramente no último documento do Governo [já constava] a meia-hora, os feriados e as férias. E é bom de lembrar que os ajustes nas pontes é numa ou duas pontes, não é mais do que isso.

Já agora, quantos feriados estão em causa neste momento?
O problema não é esse. Os feriados são 9 ou 10, a probabilidade de caírem à terça ou quinta, é três ou quatro, mas desde 1 de Maio até 31 de Outubro, já as empresas podem fechar e descontar nas férias.

Retomando, então qual foi a moeda de troca encontrada para substituir a meia-hora que, por si, já era uma substituição da TSU?
A grande moeda de troca para o Governo foi, de facto, a UGT estar disponível para discutir a questão e de comprometer-se com medidas que estavam previstas no memorando da ‘troika' diminuindo a conflitualidade social. Era basicamente isto. As vantagens claras para a UGT: travar alguma legislação laboral, dou-lhe alguns exemplos. Por exemplo, todo o capítulo do emprego... basta ver os documentos, o Governo enviou-nos uma proposta sábado, ás duas da manhã. Nós respondemos com um contra-proposta domingo ás três da tarde, reformulamos completamente o documento do Governo e, se for ver o acordo final, até saiu basicamente a proposta da UGT porque estava muito mais bem elaborada, introduzimos novos capítulos. Por outro lado, em termos de memorando - as pessoas podem inventar o que quiserem e dizer o que quiserem. Despedimentos: no memorando, estão duas alterações dos regimes já existentes na área da extinção e da inadaptação e está um novo motivo para despedimento, que era não cumprir os objectivos previamente fixados...

Mas já havia a indicação de que o Governo ia deixar cair essa medida no final do ano passado...
... mas caiu, caiu de facto. Segunda questão: o Governo compromete-se agora a dinamizar a negociação colectiva.

Acha que este é um acordo equilibrado nos ganhos e nas perdas para o lado dos patrões e para o lado dos trabalhadores?
Acho que é um acordo equilibrado? Não. Sempre dissemos que não há acordos em que há um vencedor e um vencido. Portanto, as pessoas só assinam se acham que têm alguma coisa a assinar nos acordos. E nós considerávamos fundamental assinar o acordo, primeiro, porque achávamos muito importante para o país, para os trabalhadores e para as empresas, que houvesse um acordo social. Que não houvesse um clima generalizado de contestação social. Que prosseguisse o diálogo social e político. E que houvesse crescimento e emprego. Para os empregadores - que houvesse políticas viradas para o crescimento e emprego - todos sabemos que em 2012 o desemprego vai aumentar, que vai haver uma grave crise económica. Se houvesse mais meia hora ainda aumentaria mais o desemprego. Mas começar a criar condições para ver se em 2013 há uma mudança. E, se houvesse conflitualidade social, arriscávamo-nos a cair na situação da Grécia - tenhamos isso bem presente. Para o Governo, a grande vantagem do acordo é precisamente esta questão da conflitualidade social e poder aparecer perante Bruxelas com este acordo - que é tripartido e que é extremamente importante. Não tenho dúvidas que o Governo acompanhou a negociação da parte final do acordo em estreita negociação com as negociações com a troika. A troika acompanhou estreitamente algumas medidas que mudaram e que deu o seu acordo também.

Foram autorizadas?
Na prática é isso. Terceira questão, para os empregadores: é um pouco a mesma questão da UGT. Os empregadores receavam conflitualidade social. Os empregadores sabiam bem uma coisa: se não houvesse acordo, haveria muito maior luta laboral. E nesse aspecto eles ficavam a ganhar na legislação laboral. Porque muitos empregadores bateram-se por uma forte desregulação laboral. Na segunda-feira, a partir das 10 horas até ás três da manhã, perdemos esse tempo todo por duas coisas: uma rever o texto final; e outra, os empregadores estarem em dúvida se assinavam ou não. Justamente porque queriam mais cedências.

Também estava na dúvida sobre se assinaria ou não este acordo?
Das 10 às três da manhã passou-se aquilo que lhe estou a dizer. Relativamente à questão concreta do que ganharam os empregadores, se não houvesse este acordo obteriam muito mais desregulamentação das condições do trabalho.

Iriam muito mais longe, portanto.
O país ficaria a perder muito e eles também recearam o clima de conflitualidade social. Porque também sabem que as empresas vão ter grandes problemas e que o acordo lhes traz muitas vantagens na área das políticas económicas: os atrasos no pagamento das dívidas, no financiamento das empresas... Há muitas matérias na área económica onde eles ficam a ganhar. A área do emprego e formação para eles também é extremamente importante e há mecanismos que apoiam as empresas. E na área da legislação do trabalho obtiveram menos do que obteriam se não houvesse acordo. Mas obtêm um clima de paz social importante.

Sem acordo haveria a desregulação absoluta do trabalho?
Desregulação absoluta não. Mas mais forte, não há qualquer dúvida, aliás, as palavras do ministro da Economia foram sempre muito claras: se não houvesse acordo, se a UGT não cedesse às contrapartidas da meia hora ...

Quais foram as ameaças?
Isso não vale a pena falar, mas caía o Carmo e a Trindade. Nós sempre dissemos que se não houvesse acordo cada um saberia defender-se na praça pública. E sempre dissemos que estaríamos disponíveis para algumas adaptações ao tempo de do trabalho... O governo ameaçava encostar os dias de feriado à segunda e à sexta e que agora compromete-se a não o fazer, não usando um dispositivo que está no Código do Trabalho e que permite, por decreto-lei, alterar o dia do feriado. Achamos que isso era alterar uma tradição portuguesa muito forte, portanto propusemos aquela alternativa, que foi uma alternativa pequenina porque as empresas já podiam fechar entre o 1 de Maio e 31 de Outubro unilateralmente e sem pré-aviso... Neste caso, está em causa uma ou duas pontes e os empregadores têm de avisar os trabalhadores até 31 de Janeiro.

Este acordo mereceu o consenso de todas as estruturas filiadas na UGT ou há posições dissonantes dentro da central?
Não, durante o processo negocial fomos dizendo aos jornalistas e escrito nos comunicados da UGT os resultados das votações. A questão mais importante - se houver meia hora não há acordo com a UGT - foi sempre a opinião geral, quer no Secretariado Nacional quer no Conselho Geral. Houve unanimidade total.

Mas na assinatura do acordo também?
No Secretariado Nacional, houve cinco votos contra. Um, o SITRA, outro, um sindicato que a sua secretária-geral votou contra mas até nem tem direito de voto porque não é membro do secretariado nacional, e houve dois votos de pessoas dispersas, uma socialista e uma social-democrata que votaram contra apesar dos seus sindicatos terem apoiado o acordo.

Este acordo não vai gerar qualquer ruptura dentro da UGT?
Nunca gerou, nem estou preocupado com isso.

Gostaria de o confrontar com as declarações de Torres Couto, antigo secretário-geral da UGT, que disse que este acordo poderia ser a certidão de óbito da Central...
Uma coisa tenho a certeza, é que Torres Couto não leu uma única página do acordo. Disso tenho a certeza absoluta. De resto, diria que o que condiciona as decisões da Central são as decisões dos seus órgãos. Recebi muitas palavras de solidariedade da área socialista e de altas individualidades.

Mas teme críticas da parte dos trabalhadores, ou não?
Não.

Não teme que a UGT possa mudar de imagem perante os trabalhadores?
É evidente que neste momento há um clima de desinformação total. E muito da responsabilidade da comunicação social. Escreve mal.

Acha que os trabalhadores não sabem o que os espera?
Eu acho que rapidamente vamos entrar nos eixos relativamente à informação. Os jornalistas vão ter mais tempo para ler o documento e espero que em breve estejam no terreno as alterações à lei. Sobretudo estará no terreno informação sobre o que diz o memorando da ‘Troika' e que o governo levaria à prática se não houvesse acordo. É muito importante dizer isto e acho que também há aí muita desinformação de que a meia hora era uma ameaça. A meia hora era quase uma realidade, foi apresentada a Bruxelas como uma alternativa à não diminuição da Taxa Social Única. Constava do relatório do Orçamento do Estado. O Governo apresentou uma proposta à Assembleia. Estava em condições de quase ser votada na Assembleia da República e ia ser votada pela maioria.

Para si era uma realidade? Ou era uma ameaça?
Era quase uma realidade. Só começou a haver algum balanceamento dizendo: se houver acordo, o Governo pondera retirar a meia hora. Verdadeiramente, só em finais de Dezembro é que começou a haver esse balanceamento. Muito recentemente, muita gente teve um efeito importante nas afirmações que foi fazendo na praça pública e em recintos mais privados, eu citava o Presidente da República e o Presidente do CES que se emprenharam claramente neste acordo.

Acha que, em função daquilo que se vive já depois da assinatura deste acordo, a UGT pode perder algum poder junto dos trabalhadores e a CGTP, que não assinou o acordo, poderá ganhar?
Não. Pelo contrário. É evidente que passado este período de desinformação os trabalhadores vão reconhecer que só ganharam com a celebração do acordo. Apesar de tudo minimizaram-se os danos face ao memorando, ou seja, os sacrifícios que estão a ser exigidos aos portugueses. São menores no acordo. Segunda questão, há algumas medidas de politica de emprego e de politica de apoio às empresas que vão provocar efeitos positivos.

Falou na questão da conflitualidade e pergunto-lhe se foi este acordo tripartido que vai por de parte a possibilidade de conflitos sociais sérios.
Não. É evidente que diminui o clima de conflitualidade. Criou condições para reforçar o diálogo social. Até há condições para reforçar a negociação colectiva e continuar o diálogo em concertação social. Em muitas matérias, o governo compromete-se a apresentar em concertação social, com todos os parceiros sociais incluindo a CGTP, que não celebrou o acordo. Os conflitos sociais existirão sempre. Como existiram mesmo quando não havia memorando da ‘troika' e crise. Nos anos em que houve grande crescimento económico também houve greves e conflitos.

E acha que também vai haver neste caso?
Isso é evidente. Neste momento há um descontentamento tanto em Portugal como em toda a Europa. Os conflitos estão-se a espalhar e o descontentamento da população está a aumentar. É evidente que não podemos também ignorar hoje os rendimentos das pessoas. Os trabalhadores da Administração Pública e do sector empresarial do Estado vão ter uma quebra brutal de rendimentos. Vão contestar e vamos contestar o problema, incluindo em termos constitucionais, do Orçamento do Estado. Há perda do poder de compra, dos trabalhadores, dos pensionistas, de todos os trabalhadores do sector público. Mas também do sector privado. Os salários que estão a ser negociados são muito baixos. Estão claramente a gerar perda do poder de compra. Está a haver aumento das desigualdades sociais. Vem a lei de rendas. Não foi discutida no acordo. É evidente que a lei de rendas vai gerar um forte clima de conflito social. Arriscamos chegar este ano aos 14, 15% de desemprego. E também os empregadores. Não podemos esquecer que os empregadores estão a ser responsáveis por muita da paralisação da negociação colectiva.

Mas este acordo tripartido é que vai evitar uma ruptura social de grande dimensão?
Vai ter um efeito moderador nesse aspecto. Se haverá ou não alguma explosão social depende muito das políticas que o governo prosseguir nos próximos tempos. No que tem a ver com o cumprimento do memorando da ‘troika' na área do mercado do trabalho, vai potenciar uma menor contestação. Agora, nas políticas que são ligadas ao combate ao défice, esquecendo muito as pessoas, incidindo sacrifícios sobretudo nos trabalhadores e pensionistas, essas estão a provocar um forte descontentamento generalizado.

Foi irresponsabilidade da CGTP ter abandonado as negociações?
Não. Fez-nos falta na mesa de negociações. Toda a gente sabendo que a CGTP nunca assinaria, seria uma presença sindical que certamente contribuiria para melhorar a redacção dos documentos e conteúdo do processo negocial. O facto da UGT ter ficado sozinha enfraqueceu e dificultou, da nossa parte, uma intervenção mais forte. Mas sem ser isso, toda a gente sabia que a CGTP não tinha condições para negociar. Sobretudo em véspera de congresso e de mudança de líder.

Não teme que haja trabalhadores da UGT que, não concordando com este acordo tripartido, possam identificar-se mais com a Intersindical?
Não. Acontece sempre que há acordos com um sindicato: há trabalhadores que ficam descontentes e saem e outros que ficam contentes e entram. Agora haverá um período de forte desorientação, desinformação, até às vezes de campanhas de intoxicação que vai durar uns dias, mas espero que a poeira possa poisar rapidamente.

Ter assinado este acordo limita as suas acções de protesto e de luta?
Nunca estive condicionado, nem pela assinatura de um acordo, nem pelo facto de ser militante de um partido. As decisões na UGT nunca são de ruptura entre as tendências sindical socialista ou sindical social-democrata. Pelo contrário, tentamos fomentar um clima de consenso, de unanimidade mesmo, mas sempre com diálogo. Nunca na dependência de qualquer partido ou governo. O acordo é sobre emprego e mercado de trabalho e nestas áreas estamos vinculados. Mas é evidente que nos bateremos pelas negociações colectivas, é evidente que se anunciam despedimentos em sectores fundamentais que consideramos totalmente injustificáveis.

O facto da UGT ter assinado o acordo vem limitar a acção sindical a nível de protestos e de acções de luta? A UGT está condicionada?
Não. Nunca estive condicionado nem pela assinatura do acordo nem pelo facto de ser militante de um partido. As decisões na UGT nunca são de ruptura com as tendências socialistas ou sociais-democratas e, pelo contrário, tenta-se experimentar um clima de grande consenso e de unanimidade mesmo. Nunca na dependência entre qualquer partido ou Governo. O segundo dado é que este é um acordo emprego e marcado de trabalho e a estas áreas estão vinculados. Mas é evidente que nos bateremos sobre a negociação colectiva.

Mas vão organizar acções de luta contra medidas específicas do acordo?
Nós sempre respeitamos os acordos. Dou-lhe um exemplo concreto: houve o acordo de 22 de Março com o anterior Governo e nós sempre dissemos que houve medidas a nosso favor e medidas que foram a favor dos empregadores. E sempre agimos de acordo e com rigor com o que lá está. Por exemplo, no fundo de compensações, o Governo primeiro não queria cumprir com o que lá estava a favor dos trabalhadores mas queria dar um brinde a favor dos trabalhadores contra os empregadores.

Que brinde era esse?
Era o fundo ser para o trabalhador. Se saísse da sua empresa ao fim de vários anos leva um mês de salário. Isso é que é o brinde? E sobretudo não garantido o objectivo central do fundo que é garantir a qualquer trabalhador 50% da compensação. Se a empresa falir ou tiver salários em atraso, ou se fechar e não tiver condições para pagar, esses 50% são garantidos para o fundo. Isto em termos nacionais tem o significado poupança mas em termos individuais do trabalhador não tem significado nenhum.

O acordo volta a recuperar uma medida do acordo de Março que diz respeito às quotas do subsídio de desemprego nas rescisões.
Mas nós apresentamos uma proposta do mesmo género. No nosso documento de Domingo tem lá o reforço das capacidades técnicas das empresas e tem lá esse capítulo. Hoje há dois problemas fundamentais na economia portuguesa. Um foi trazido por nossa iniciativa [para o acordo], o combate à economia clandestina. Não estava no acordo. Estavam lá medidas genéricas no combate à fraude fiscal. Segunda questão foi que introduzimos um capítulo sobre o reforço das capacidades técnicas das empresas. Tínhamos também um capítulo que não foi aceite, infelizmente, pelo Governo, sobre o apoio às reestruturações empresariais, permitindo defender melhor os postos de trabalho quando há uma reestruturação empresarial mas também defendendo melhor as empresas. O Governo achou que não havia condições para suportar aquele programa. Estas são as nossas preocupações porque sabemos bem que as empresas portuguesas têm dois grandes problemas: uma grande margem de concorrência desleal em Portugal - que faz com que empresas boas sejam destruídas por empresas que não pagam IVA sobretudo - e ao mesmo tempo a falta de capacidade empresarial. Há empresários bons e há empresários maus, há trabalhadores bons e há trabalhadores maus, agora é fundamental reforçar a capacidade técnica das empresas, nomeadamente as pequenas empresas, introduzindo e pondo a trabalhar nessas empresas quadros técnicos.

Na questão dos despedimentos, está em marcha, de facto, uma grande flexibilização ou as garantias que entretanto foram colocadas no acordo tripartido são suficientes para acautelar isso?
É totalmente falso que tenha havido flexibilização face ao memorando da ‘troika'. Desmistifiquemos mentiras. A revisão do memorando tem lá três questões: primeira, a extinção do posto de trabalho. Está lá que em vez de haver os critérios obrigatórios de que o primeiro é o mais novo a sair se houver várias pessoas a ocupar o mesmo posto de trabalho, a empresa pode fixar critérios não discriminatórios. E terá que por à discussão com as organizações dos trabalhadores. E depois a empresa assumirá as suas responsabilidades e os trabalhadores poderão recorrer ao tribunal contra os critérios. Estamos de acordo com isto. Veio equiparar-se a extinção do posto de trabalho aos despedimentos colectivos. O novo motivo para despedimento é o não cumprir os objectivos previamente fixados, a todos os trabalhadores. Isto caiu. Houve até pressões das entidades patronais na segunda-feira para serem reintroduzidos, salvo raras excepções, e nós nunca cedemos. O último ponto, que foi posto como objectivo para os patrões assinarem, estava ligado a isto. Não aceitámos. Depois, a inadaptação. Tal como está na lei, o conceito tem sido difícil de aplicar. E há uma alínea que cai, tal como o memorando da troika diz. Quanto a situações de inadaptação, a informação que eu tive há tempos é que só há dois casos existentes no mercado, em 10 ou 12 anos. Agora foi acrescentada a figura da inadaptação, que é quando não há extinção de postos de trabalho. Quer o Governo quer os empregadores disseram-nos que tínhamos de dizer o que entendíamos como quebra grande de produtividade e chegaram a propor que se entendesse que a quebra de produtividade seria uma quebra comparativa relativamente à produtividade dos restantes trabalhadores/colegas de trabalho. É totalmente absurdo e rejeitamos completamente esta possibilidade. Embora disséssemos há muitos anos que, nos despedimentos por justa causa, o Governo podia promover uma discussão.

Estaria então disposto a discutir o conceito de justa causa?
Não é esse conceito de justa causa, é o conceito, por exemplo, do que é uma quebra normal de produtividade, do que é um problema de trabalho igual, para salário igual. A lei define as razões para o despedimento. O respeito pela Constituição, a proibição de despedimentos por justa causa por razões inimputáveis ao trabalhador... O que os empregadores mais valorizaram e nós dissemos sempre que não aceitamos era que invocassem justa causa por razões de quebra da produtividade. O empregador não pode despedir em qualquer momento. Evocar os objectivos não pode ser assim, porque os objectivos podiam ser irrealistas.

Estas novas regras vão baixar os salários dos trabalhadores...
Não tenhamos qualquer dúvida de que um dos grandes objectivos da ‘Troika' foi reduzir o custo do trabalho, nomeadamente através da redução da TSU e outras matérias que foram negociadas com o Governo. Mas, então, o que estava em causa era a redução da TSU e a diminuição do [pagamento de] trabalho extraordinário e banco de horas. O banco de horas também vai diminuir a necessidade das empresas de trabalho extraordinário e os trabalhadores podem compensar noutros períodos, com férias nomeadamente. Sobre o banco de horas tem havido uma dificuldade de compreensão desta matéria. O que está na lei é a adaptabilidade do tempo de trabalho. Significa que pode ser por contratação colectiva ou individual - são os dois métodos que estão na lei actualmente. Isso significa que os empregadores acordam com a empresa semanas em que trabalham mais, outras que trabalham menos. O que é o banco de horas? É o empregador um dia dizer ‘olha, hoje trabalha mais uma hora, pode ou não pode?', ou fixar os critérios em que o trabalhador pode pedir trabalho a mais, mas também pode ser o contrário. Também pode o trabalhador dizer que no banco de horas não lhe vai descontar nas pontes, por exemplo, ou que preciso de um dia no verão para ir fazer as vindimas.

Mas não receia que o patrão sobreponha a sua vontade?
Até agora não tem havido grandes problemas em tribunal nem nos sindicatos, no caso da adaptabilidade individual por exemplo. Mas é evidente que há sempre uma pressão patronal. Nós também sempre temos dito que na adaptabilidade só poderia ir até 60 horas semanais, e se for acordo com trabalhador pode ir aos 50, estabelecemos limites. Algumas pessoas entendiam que o banco de horas é trabalho gratuito ao empregador, mas cautela, não é isso, é absurdo. Havendo banco de horas, o número de horas extraordinárias diminuiu. Mas já hoje, houve sectores de actividade abrangendo mais 500 mil pessoas em banco de horas de negociação colectiva. Houve empresas que aumentaram o número de horas extraordinárias porque aumentou a produtividade e em vez de contratar novos trabalhadores, aumentaram o trabalho extraordinário. As coisas não são obrigatoriamente redução, mas à partida, num momento em que, como o actual, as empresas não têm clientes, não têm a quem vender, é evidente que o banco de horas vai compensar períodos de menos trabalho. Em vez da TSU, tinham proposto a meia hora que era depois gerida pelo empregador ao livre dispor durante cinco semanas e isto ia destruir quase completamente o trabalho extraordinário. Caiu a meia hora, ficou a questão dos feriados - que já estava prevista com ou sem meia hora - dois [feriados civis] mais dois [religiosos]. A UGT aceitou três a quatro, dizendo que estamos completamente contra o espírito de caída do 5 de Outubro.

Já sabe o que é que o Governo vai fazer?
Vai, certamente, propor o fim do 5 de Outubro à Assembleia. Basta ver, a Igreja hoje veio com uma grande campanha de que ou é um mais um ou é dois mais dois, por causa do respeito pela Concordata.

Diria que vão ser quatro?
Três a quatro. Provavelmente, com esta campanha da Igreja tudo indica que serão quatro.

Se o 5 de Outubro cair, a UGT demarca-se dessa decisão?
É evidente, estamos contra porque o 5 de Outubro está carregado de memória. Não é o problema da queda da monarquia, mas a implantação da república e da democracia. É que no regime monárquico não havia democracia.

Qual é a melhor e a pior medida deste acordo para os trabalhadores?
Diria que a mais negativa para os trabalhadores é claramente o memorando da ‘Troika' que impõe a redução do trabalho extraordinário. Foi aquela que me ficou mais atravessada. Cai para metade quer na lei, quer na negociação colectiva. Durante dois anos aplica-se só a lei e nos anos seguintes aplica-se a lei e os novos valores da negociação colectiva. A alternativa era cair apenas para metade dos valores da lei para todo o sempre e acabar a negociação colectiva.

E o melhor?
A preocupação com criar condições de incentivo ao emprego e algumas medidas que espero que dêem resultados. Houve até uma medida que dissemos ao Governo que, da maneira que a estava a apresentar, nós não aceitávamos. Foi a medida em que era possível acumular salários com o subsídio de desemprego no máximo de doze meses.

Porque é que não aceitaram?
Porque era a degradação total dos salários. Era os empregadores não pagarem salários praticamente. Introduzimos duas cláusulas: uma que o Governo disse que não ia alterar e que era o conceito de trabalho conveniente, ou seja, o trabalhador não ser obrigado a aceitar coisas que antes não aceitaria. A segunda condição clara é que a empresa tem obrigatoriamente de pagar o salário da negociação colectiva ou da lei. Para não haver com isto, na prática, um bónus aos empresários e uma desqualificação dos trabalhadores. Assim, os trabalhadores vão ter um incentivo para aceitar a um emprego que queiram, mas continuaram à procura de um trabalho conveniente, salvo se virem oportunidade nas novas funções que ocupam em ter uma progressão profissional que lhes vai aumentar o salário após o subsídio de desemprego.

Depois de ter havido duas greve gerais conjuntas com a CGTP, o facto de a UGT ter assinado o acordo e a CGTP ter ficado de fora vai acentuar a clivagem entre as duas centrais sindicais?
Não!

Isto põe de parte qualquer acção conjunta no futuro...
Não. Já há uma próxima marcada para 2 de Fevereiro.

Mas é específica para um sector [transportes]...
Greve geral também pode haver. Mas também pode pôr o problema ao contrário, o facto de a CGTP mudar de líder no próximo congresso vai significar maior dificuldade nas relações?

Pergunto-lhe então...
Acho que as organizações estão acima das pessoas.

Mas pode estar na calha uma greve geral conjunta?
Neste momento não está minimamente na ordem de trabalhos. Mas não está afastada, nós não prescindimos... como digo, neste acordo, não há nenhuma cláusula de paz social. Já houve acordos com cláusulas de paz social, não é o caso deste acordo.

Mas não está a ver que isso aconteça em breve...
Não, a não ser que haja uma maior insensibilidade social do Governo que contribua para um agravamento grande das desigualdades sociais, sobretudo uma grande desprotecção dos que são mais frágeis na sociedade.

E isso poderia acontecer como? Não cumprido o acordo?
Não. Aliás, há uma cláusula muito importante em que o Governo se compromete a não aditar ao Código de Trabalho medidas que não constam deste acordo. Se o Governo não cumprir o que está fixado no acordo, denunciamos o acordo. Pode ocorrer, espero que não. Todos somos pessoas de bem. Relativamente a novas matérias, sobretudo se a situação social se agravar sem medidas adequadas do governo, nomeadamente na área do emprego ou nas áreas das populações mais fragilizadas, é evidente que há possibilidade de formas de luta conjuntas de carácter geral. De carácter ao nível de empresas, organismos ou sectores de actividade haverá formas de luta conjunta com certeza. E aí já ocorreram diversas mudanças de dirigentes e o relacionamento permaneceu sempre.

Portanto, acha que isto não acentuará as clivagens entre as centrais? O facto de estar uma dentro e outra fora do acordo...
Espero que não, sempre aconteceu assim. Não é surpresa. O único acordo importante que a CGTP assinou foi o acordo reforma da Segurança Social e só o assinou porque era uma reforma estrutural para garantir a sustentabilidade da segurança social - para garantir que os jovens vão ter direito a uma pensão daqui a 30 ou 40 anos - e nós aceitámos dividir esse acordo, pôr uma cláusula de forma e assinar outro acordo sobre o plafonamento. Onde vai o plafonamento que a CGTP não quis assinar nessa altura. Foi o único acordo importante assinado e depois a CGTP arrependeu-se um pouco de o ter feito por motivos particulares. Mas queremos dizer que os outros foram fáceis, formação, higiene e segurança, formação profissional ... São menos contraditórios, sem grandes cedências de parte a parte.

Não ficou surpreendido com esta posição?
Não. Toda a gente sabia que a CGTP não tinha condições para assinar, ainda para mais na véspera de um congresso.

Acha que a CGTP estava mais condicionada por estar em véspera de congresso?
Não. Não tinha condições nenhumas para assinar com este governo e na actual situação de crise que exige sacrifícios.