23.1.12

«O migrante obriga cada um de nós a “emigrar” de nós mesmos»

Texto Cristina Santos | Foto Cristina Santos, in Fátima Missionária

A aceitação de valores e princípios fundamentais na promoção da dimensão intercultural foi um dos aspetos destacados por Gabriele Bentoglio. Realçou ainda a importante função das estruturas da pastoral

Gabriele Bentoglio, subsecretário do Conselho Pontifício da Pastoral para os Migrantes e os Itinerantes, apresentou as «Linhas de orientação pastoral da Igreja para a realidade migratória atual» a uma centena de participantes, presentes em Fátima, durante a última sessão do XII Encontro de Formação de Agentes Sócio-pastorais das Migrações.

A «solicitude pastoral» da Igreja caracteriza-se pela prioridade que é dada à pessoa humana na sua dimensão integral, afirmou o sacerdote. Esforça-se para fazer da migração uma escolha e não um constrangimento, um encontro de diferentes povos e culturas e não um choque de civilizações, um incentivo ao desenvolvimento e não à exclusão. Outro aspeto fundamental na dimensão pastoral é a aceitação de valores e princípios fundamentais na promoção da dimensão intercultural; é o caso da democracia, da igualdade de direitos e da liberdade religiosa, por exemplo.

Gabriele Bentoglio destacou a importância das equipes pastorais e das estruturas da pastoral migratória nesse processo. Os centros de animação religiosa, social e cultural são importantes na integração dos migrantes pois proporcionam um espaço comunitário e promovem o acesso a diversos recursos socioeconómicos. As estruturas pastorais podem «favorecer a abertura à sociedade de acolhimento na medida em que estão aberta ao diálogo com o tecido social em que se encontram». O modelo de unidade na diversidade é o que a Igreja pode oferecer à sociedade civil que integra, realçou. «A Igreja católica deseja servir os povos na construção de uma família humana, a partir de uma justa colaboração comas outras instituições religiosas e civis».

Aos participantes, o sacerdote lembrou a relação entre o fenómeno migratório e a crise económica. Preocupa o facto dos migrantes se tornarem um dos «bodes expiatórios» da crise económica global. O agravar da crise evidenciou a vulnerabilidade dos migrantes. Os migrantes aceitam empregos de baixa qualificação, mais precários e, em certas situações, negligenciam os seus direitos fundamentais. Há flagrantes violações dos direitos dos migrantes, assim como uma maior discriminação dos mesmos. Um aspeto a destacar é a lealdade dos migrantes para com as suas famílias, pois muitos continuam a enviar parte dos seus rendimentos para as suas zonas de origem.

Atualmente, a Europa enfrenta a «delicada tarefa de alcançar o difícil equilíbrio entre a abertura às migrações internacionais, a firmeza na gestão dos fluxos de regulares e irregulares e a inteligência no projetar itinerários de integração», afirmou. Sobre Portugal lembrou que é, ao mesmo tempo, um país de emigração e imigração. Os imigrantes em Portugal provêm maioritariamente do Brasil, mas também da Roménia, Cabo Verde, Ucrânia e China. Em 2009, contabilizavam-se 500 mil imigrantes. Calcula-se que os irregulares sejam cerca de 100 mil. Por outro lado, há 4,3 milhões de portugueses ou descendentes de portugueses a viver no estrangeiro.

O subsecretário do Conselho Pontifício da Pastoral para os Migrantes e os Itinerantes concluiu o seu discurso lembrando que o migrante aspira a relações novas e universais. Perante uma mobilidade humana crescente, as igrejas locais não podem ficar indiferentes, defende. É necessário assumir «novas formas de pastoral intercomunitária», onde as minorias são respeitadas, aconselha. «O migrante obriga cada um de nós a “emigrar” de nós mesmos para a comunhão e universalidade», afirmou.